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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O meu próximo lançamento em 2011 será O Seminário. Este livro traz uma trama dentro de um seminário pós-conciliar, que começa com a morte de um seminarista e tem ligação com um noviço em 1940 e seu diário desaparecido e que, conforme boatos, continha detalhes desabonadores aos moradores de então. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail camilo.i@ig.com.br, reservar o seu e ter uma tremenda viagem dentro do Seminário, entre tramas e passagens secretas. Nas próximas postagens iremos elucidando mais detalhes sobre a edição que já monta a 14 correções gramaticais e ortográficas deste penoso escrevente.
Camilo Irineu Quartarollo - autor piracicabano











Burrinho de leite

Perdia-se a olhar pela janela a ruinha, justa, de britas, em paralelepípedos, escorregadia nas chuvas e difícil de pronunciar. Os burrinhos de leite subiam no bater de cascos despertando o Sol, encurvando o tempo numa sombra de ilusão e vestígio das casas antigas, nas curvas que escondia a entrega da garrafa. O leite chegara ao acordar da família e só um velho do outro lado da vila vê o leiteiro. O velho ficou à janela até à tarde, mas o burrinho não fez o mesmo caminho. Não voltou por essa ruela, fez um caminho de Magos, por outra via.
Noutro dia o burrinho vem. Olha da janela o fundo da ruinha sob o luar azul, fímbrias rebrilham o tosco calçamento de pedra, das ruas pobres, do leite que vem, das chaminés em atividade, assim vai acordando deslumbrante o Universo.
O leite branco e gorduroso em litro de vidro, o recado de um bilhete, da úbere casta, de um mugido surdo, vem a mãe apanhar a conta do mês, com depósito futuro na janela do leite madrugador, espumante de um leiteira torta, nas rebarbas brancas de tombos antigos da vasilha de nobre alumínio.
O velho não sabia, mas abaixo da viela corta um riacho imaginário que o burrinho de leite não pode abaixar a beber, e Deus colocou uma nascente que jorra à altura do seu bocal; ainda assim o leiteiro não para. O animal de cima só pode ver o curso sinuoso desse riacho e engolir a secura dos olhos indômitos, e per si sorver momentos como poesia, como o poeta, mas meu Deus, quê sede!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


Meus amigos, feliz natal a todos. Hoje posto um texto sobre um natal diferente, o de uma idosa. Nesta semana perdi uma tia de 83 anos, muito franca e simples com suas flores de quintal, tia Elydia Todeschini Pozzato. Velamos o seu corpo com a última expressão serena em vida. Adeus e feliz natal. Queria postar o texto abaixo nesta semana e acho que pressentia o seu passamento, o natal se faz a cada dia, são presentes que nós preparamos uns para os outros, o céu é assim.
O blogueiro

Meu filho!

Alô, hum, o quê? O rapaz desligou. Erro de dedinho, o último dígito. Dera para cometer erros, lapsos do estresse. Deixou-se cair no sofá como o corpo engordado por uma bruxa para o próximo enfarto, preso do tédio. Tinha de caminhar, deixar aqueles torresminhos do mercado e pegar duro no trabalho, andava com depressão – o médico lhe dissera sem cobrar nada, era amigo do trabalho. Mentalmente já cansava pelo percurso não feito e de pôr o tênis, o short e a camiseta com um boné e óculos pretos – uma toalha nos ombros para enxugar o suor não faria mal. Ali pensando enxugava-se com o lenço mesmo.
Sim, aquele corpo era a causa de muitos males. A última namorada já o deixara por um corpo mais jovem e belo. A gordura já lhe atingia o peitoral, fazendo um rosto disforme ligando-se às papas. O cabelo, um bem de juventude, já caía no banho de dever matinal. O café lhe alegrava, lembrava a mãe – dizia o terapeuta. A mãe? Quê mãe? Já morrera na infância. A tia velha lhe criou aos supetões, sob lições de reguadas na cabeça. Sabia a medida do seu cérebro por isso. Falta de autoestima bloqueia a mente.
Quando se esquecia no quintal de terra a velha vinha e o empurrava para dentro do banheiro, como um boi ao matadouro. Ficava ali tremendo nu, vendo as louças brancas e frias e do alto viriam os chuviscos aos quais tinha de se submeter. Já grandinho e a água não o lavava por si, descobrira quando a tia começou a invadir e lhe ensaboar entre as orelhas e partes íntimas, deixando esfregões no pescoço. Saía limpo com todo o ser esfregado e murcho. Os pijamas para o sono. Dormir? Era uma obrigação. Resolveu que não, não dormiria. Ficava por muitas horas, contadas no criado-mudo, acordado com um livro na cabeceira sem o ler e sem o sonhar, depois revolvia a toalha para o chão e saía até uma cadeira velha, no quintal. A tia não o atingiria ali e não cumpriria o dever do sono diário. A velha percebeu o ardil ingênuo do menino e impingiu tantas neuroses a sua cabeça que o fazia cair no sono durante o dia, sem dormir. Negava para si mesmo a queda nos braços de Morfeu.
Era um sofá macio o da sala de espera, sem molas e engolia gente de todo o tamanho. O que fazer? A não ser segurar naquele aparelho de teclas mágicas. Ligou de novo. O lapso ocorreu exatamente como da outra vez e a ligação caiu no mesmo número errado.
- Pois, não. Não sou eu, não. Foi engano! – repetiu até que parou de falar, e do outro celular uma senhora falava com o filho imaginário.
- Meu filho! Você não vem mais aqui, nem no natal. Eu fiquei doente, sabia? Estou com saudade. Lembra-se de quando eu lhe cuidava, meu fofinho! Não precisa trazer maçãs, só quero a sua presença.
– Não minha, senhora, eu não tenho mãe! A velha replicou que não tinha mesmo, se não viesse antes que morresse.
Resolveu ir para que ela visse que não era o seu filho e ia dar um susto nela, pensou e foi logo dizendo na portaria que viera visitar a mãe. O porteiro assustou-se: filho? Mas a mulher, na porta, reconheceu-o com o pacote de maçãs. A estranha encheu-lhe de beijos, antes mesmo de se explicar o engano – estava descartada a prova material, por assim dizer. Como dizer que não era seu filho?! Deixou as maçãs no quarto da senhora, tomou um café amargo no refeitório e voltou outras vezes ver a idosa que lhe lembrava de alguém do passado. No prontuário dela nenhum filho lhe constava, porém, na vida dele, mãe também não.
Publicado no A Tribuna Piracicabana em 24-12-10

sábado, 18 de dezembro de 2010

Um Feliz Natal a todos! Os que não saíram de férias podem acessar o blog, se quiserem.
Agradeço pelo ano que vai se completando e pelos sucessos e aprendizados. Pelos 82 anos completos de meu pai e pela companhia de minha esposa Luzia. Pelos textos que Deus me me concedeu fazer e pelo muito suor. Agradeço aos leitores de O Efeito Espacial e não abusem do queijo, principalmente o gorgonzola mais picante. Acessem o endereço abaixo para ver entrevista sobre o livro.
http://www.youtube.com/watch?v=HGCjSokj2vM&feature=player_embedded
Foto ao lado: É da minha família. Essa Kombi 60, por cujo veículo meu pai trocou a tração animal. Todos queriam dar uma voltinha, mas era para fazer feira. Eu sou o primeiro à esquerda.


Salada histórica

Entrou na fila do banco de Jerusalém - havia filas para Fariseus, Saduceus, Sacerdotes - pegou a senha preferencial de pessoas acompanhando grávidas com burrinho e a atendente sorrindo lhe atendeu. Não havia saldo na conta, mas podia usar o cartão de crédito romano, descendente de rei ali tinha crédito. Ainda relembrava a voz do anjo que deveria ir para o Egito, mas antes Maria tinha de fazer o pré-natal com a sua prima Isabel e despedir-se dos parentes. Havia noticias no templo de que um novo rei ia nascer e Herodes estava com as barbas de molho. Não o queria em seu reino. José ia fugir com a esposa e o menino, tão logo nascesse. Mas não deu tempo, aqueles magos barbudos, leitores de estrelas e glamour religioso estavam por ali e pelo que se lia no quadrante do céu chegariam ali em pouco tempo.
Por sugestão do anjo iria para o Egito. Ele com a esposa e o burrinho, o menino não tinha ainda nascido. Jesus seria um Egípcio? Não. José se socorreu num estábulo, já que dinheiro não tinha, cartões de crédito não eram aceitos nas estalagens e o talão de cheques ficou esquecido na outra túnica. Levou Maria ali e fez o parto a luz do luar. Herodes estava perto, os magos, ricos, já tinham chegado, com incenso, ouro e mirra. Se o presente fosse uma casa-própria, ou, ao menos, fraldas descartáveis ou cremezinho para o bumbum do neném?! E os magos, depois de dizerem palavras e mesuras ao “rei-menino”, foram-se por outro itinerário desconhecido das autoridades, para despistar o rei assassino. José foi acompanhando as orelhas do burrinho montado por Maria e o menino, já de cabelo oxigenado para se parecer loiro, como um romano. Típico modelo para Leonardo da Vinci.
Em Jerusalém, Herodes fez um censo às avessas, contagem macabra. Mandou matar as crianças nascidas naquele período para pegar Jesus no meio delas, no dia que ficou conhecido como o da matança dos inocentes. Dizem que essas crianças foram todas para o céu, mas São Pedro não estava lá ainda para conferir o porte de passagem.
Os magos sumiram do mapa junto com a estrela vista. Roma, a exemplo de Herodes, matava os inocentes e amedrontava os culpados. A geopolítica dos tiranos.
Quando tudo se acalmou o anjo mensageiro foi a José no Egito e lhe disse que podia voltar, estava tudo seguro ao menino. O anjo previra os trinta anos seguintes, depois...? José deixou lá um brilhante emprego de marceneiro do faraó e fabricante de gaiolas, mas veio atendendo aos desígnios do anjo. Morreu logo e deixou a viúva e o filho. Não tinha pensão do governo para deixar, nem Jesus conseguiu carteira assinada ou o primeiro emprego, mas seguia a mesma vida do pai, fazendo biscate, arrumando um telhado e fazendo cadeiras artesanais para ricos. Rejeitou um pedido do Governo romano, que terceirizada os serviços, para montar um lote de cruzes de mogno, com tabuleta da causa da condenação na cabeceira – sua empresa não era regularizada. Sua vida não era fácil, comia o pão que o diabo amassou. Assim foi indo até que quiseram fazê-lo membro de um partido político, os zelotas, o qual rejeitou. Seu primo batizava no rio Jordão, mas Salomé pediu sua cabeça que o rei ébrio prometeu em seu deleite cego de paixão. Jesus andava em má companhia, prostitutas, ladrões e incultos. Assumiu o capital político e religioso de João, mas foi preso, maltratado e trocado por Barrabás, um zelota que recebeu o indulto de natal.
A história sinóptica, todos sabem...mas ainda se punem inocentes para assustar os culpados; porque ainda falta justiça a estes e misericórdia daqueles.

sábado, 11 de dezembro de 2010


Divulgação: Grato ao amigo Benedito Jorge Bejota pelo comentário sobre o livro A menina do Bairro Fria, a minha menina. Parabéns a Luzia Stocco, autora do livro e de um poema escolhido pela Editora Escortecci para publicação junto com outros cinquenta ganhadores do concurso. A Luzia concorreu com O crime, vide em seu blog htt://literarteluziastocco.blogspot.com. Feliz Natal a todos e degustem o texto, podendo comentar ou mesmo criticar.

Abraço a todos.

Turistas do advento

Dois turistas se encontram na Itália.
É brasileiro também! Saudades do Brasil.
Não, saudade (nostalgia) do que poderia ter sido, pois o também brasileiro é vizinho da minha rua!
Mas você aqui!
“Pois é, vim fazer umas comprinhas, veja essa roupa e o preço!”
Mas... (não disse a ele, mas lá na nossa rua tem uma loja que vende as mesmas peças e mais barato).
É o medo. Até do bom-dia inusitado, logo se pensa quanto custa; a delicadeza virou sinônimo de efeminado. A saudade que já era coisa de mulher para os machistas, hoje é coisa de poeta e de coração mole somente. Para se dar um sorriso tem de se verificar se escovou os dentes, se não está banguela e se não comeu alho; o cheiro honrado do suor é feio, mesmo aos que estão em atividade física de trabalho - se for esportista sarado, tudo bem. Os cumprimentos de mãos escorregam para as pontas dos dedos somente, sem levantar os braços, as glândulas sudoríparas podem influir negativamente. O olhar é periférico, o olhar nos olhos também amedronta.
Nos tempos de antanho ao se mudar para uma localidade, mesmo ermo, o vizinho vinha com rodos, vassouras e baldes ao morador novo que nem sempre os tinha pelos transtornos da mudança. Se faltasse alguma coisa, esquecida, como lamparina ou cobertas limpas ia-se buscar na casa ao novo vizinho. Não raro os vizinhos pegavam na vassoura e rodos para ajudar, emprestavam ferramentas e animais. Quando nascia uma criança era alegria e a promessa de quem seriam os padrinhos do futuro vivente dava um clima de união e expectativa natalina, eu nasci nesse meio, mas o progresso...
Lembro-me do turista vizinho meu, minha casa também bota medo, acho. Passava ele como todo dia de manhã, com dois ou três bons-dias. Eu sempre às voltas com leituras de coisas já lidas (uma correção interminável, deixa estar...), enquanto um mundo circunvizinho se descortinava ao sol. Eu também sou um turista em casa, e uma criança nasceu na minha rua bem no natal, que ironia! Eu nem soube. De repente se veem mães com carrinhos de bebê, sem as ver mais gordas. São vizinhos. O vizinho das roupas caras contou-me. Mas a Europa é longe, nem todos têm net, tempo ou disposição para felicitações de um estranho da Itália como eu; por certo, não conhecem minha cara e me julgariam como mais um spam. Mesmo assim e por antecipação feliz natal a todos, quem sabe até lá nos conheçamos.
Publicado no A Tribuna Piracicabana em 11/12/10

sábado, 4 de dezembro de 2010

A expectativa de final de ano e de férias movem o trenó de papai noel e vejo por bem publicar alguma coisa afim do mundo de criança como a que posto hoje e publicada no A Tribuna Piracicabana também. Agradeço aos meus seguidores e leitores, aos amigos que saboreiam prosas e a todos que neste ano sustentaram nossos sonhos e realizações, neste tempo de pré-férias acho que voltamos a ser + humanos um pouco; nessa vida corrida para ganhar dinheiro e sonhar, não somos máquinas e o tempo se esvai. Bom Advento a todos.


Papai noel virá?

Pela veneziana quebrada via o céu noturno. Estrelas desperdiçadas pelo meu sono, uma lua que se virava pelos cantos do firmamento. No parapeito da minha janela que dava para a rua, o meu burrinho feito de batata com quatro palitos enfiados. Era o meu poder de barganha para ganhar algum presente, porque no ano todo fizera muitas peraltices. Tentaria não dormir para me explicar pessoalmente ao bom velhinho, quando chegasse.
Ele vinha sempre de trenó e de muito distante. Passava com suas renas, um cavalo do pólo norte, só que diferente – diziam-me. Ah! Deixava marca de estrelas pelo céu, porque esses cavalos eram mágicos e voavam e, em minha expectativa, eu também. A espera pelo papai Noel. Mesmo que não viesse com o presente desejado, daria alguma explicação por não me dar a bicicleta que eu pedia todo o ano. Para mim, aquele veículo era o máximo, aqueles pneus com raios finos suportando meu peso de gordinho. O problema seria equilibrar-me em duas rodas, precisaria de no mínimo três. Mas papai Noel devia saber disso.
Fui posto na cama à força, hora de criança dormir. Meus olhos estalados não saíam da veneziana. Passei quase toda a noite em claro, a pressentir os movimentos e barulhos da chegada do trenó. Meus pais dormiam noutro quarto e meus irmãos dormiam como bebês. Estava sozinho no meu mundo, insone. Pela veneziana ouvia um rodamoinho noturno, levantei-me algumas vezes e via a noite pela fresta. O cachorro amontoado, dormindo. O silêncio pairava preguiçoso, suspenso nas nuvens altas e brancas que vagavam nas brisas, as galinhas empoleiradas e imaginei o galo de pijamas, o sol ia demorar a nascer. E o papai Noel?
De dia, disseram-me que o velhinho tem de entregar muitos presentes e nem sempre chega a tempo ou conversa com a gente. Andava eu já pelo terreiro, sem temer noite, enquanto o papai Noel não chegava. Descobri que as aves dormem e os outros animais também, só não sabia com o que sonhavam. O cachorro levantou a cabeça e vendo que era escuro enrodilhou-se novamente. Tudo muito quieto. Voltei para debaixo das cobertas, sem ninguém me mandar. Agora já conhecia a noite do quintal.
Sonhar dormindo é normal, mas bom é sonhar acordado. Cochilei no travesseiro, mas sonhava que estava com os olhos abertos na veneziana. Quanto mais esperasse, mais demoraria. Então fui imaginando o prazer em ter a minha bicicleta. O guidão, os pedais, as rodas raiadas fazendo rastros na estrada de terra macia. Ia pôr até uma caixinha atrás para levar brinquedos meus. Ia ser minha redenção da vontade de passear, ir aonde meu pai não levava e minha mãe nunca deixava. Os meninos iam ficar admirados, eu ia ser respeitado com aquela magrela, presente do papai Noel. Mas acordei no dia seguinte e cadê a minha bicicleta?
A que tenho hoje não é como a que o papai Noel não me deu. Então tive de aprender a viver sem ela. Afinal, uma bicicleta não é tudo, mas valeu. Será que uma bicicleta é tudo isso? Onde estão os presentes que ganhei? Presente de criança só tem valor na hora, depois esquece pelo quintal, como fiz com meu cavalo de brinquedo e meus montes de terra, que ora junto para brincarmos neste pequeno espaço gráfico.

sábado, 27 de novembro de 2010

Homenagens póstumas ao meu professor e amigo Euclides Buzetto, foi ele um dos que, em suas aulas de geografia, 1977, lembro-me, levava os alunos à reflexão apesar da desinformação sistemática promovida pelo regime militar, falando sobre os problemas reais da opressão e do silêncio imposto. Amigo, creio que, se foi para o céu ou para o inferno, vai se virar muito bem, alienado não é, e, se no céu, não existe campanha de desinformação, só existe o Ser, o verdadeiro, nada mais.

Condolências ao estimado e admirado amigo Gleison pelo passamento de seu pai de oitenta anos e de muitas lições que vai nos contando o filho. Falar da amizade do Gleison é covardia, porque com tantas qualidades humanas e profissionais tem muitíssimos amigos e eu mais um.

O poderoso cachorrão - texto do blog, publicado no A Tribuna Piracicabana de 27/11/10. Divirtam-se.

Outro cachorro! Sim, o de estimação morrera há alguns dias. Muito pranteado pela mulher, mas na feirinha comprou outro e, grande, bem maior o que Pequinês que tinha. Com certeza aquele cachorrão ia levantar os móveis todos ao entrar embaixo. Que belezinha - dizia ela - e já veio com um lacinho vermelho e uma medalhinha em latim no pescoço! O marido já mandou os seus chistes: Só falta falar latim, latir já late muito bem. Mas a jeitosa esposa punha o marido no seu lugar e o cão no outro, ambos no sofá. Sim, o cachorro sentava-se como gente. Era um enorme cão de pelo branco, que mais parecia um urso mole, folgadão. Apelidado de Pimpão. Não fazia nada, mas usufruía de tudo. O marido se ressentia. Era só ouvir talheres descia pela escada em fartos pelos brancos balouçante com a língua vermelha de fora. Oh!Pimpão, exclamava a amável dona. Pimpão vinha e sorvia um prato cheio de um refinado cardápio humano, sem ter de cortar os pedacinhos com talheres – era só esperar com as patas dianteiras sobre a toalha e nhac-nhac para as goelas. No final, ela lhe perguntava se queria um suquinho e, pronto, era só arfar e num abrir de boca lá estava o cochinho com o suco gaseificado. O marido esquecido ficava no canto da mesa como o chefe do lar, mas os cuidados lhe eram poucos acessíveis e comia as sobras, primeiro o Pimpão.
Os carinhos eram todos para o cão. Criara ojeriza pelo animal que quando ficava nas duas patas, quase igualava ao seu tamanho de grande que era, e lambia tudo, até ele se deixasse. Quando a esposa saía, ficava com o Pimpão sentado ao lado. Quase não podia ver TV, as lambidas e mordiscadas dele nas próprias patas incomodava o homem com o controle remoto. Dizem que cachorro não consegue enxergar a tela, porém este não abria mão do sofá e manducava porcariadas junto com o dono. Era uma forma de manter calmo o peludão, enquanto a mulher não chegava. Quando esta chegava, que festa! Olha o que eu trouxe para você! Vinha com presentes para o cão, para o marido não. Este reclamava e ela o consolava: bem, não ia trazer osso para você, ia?
Que raiva! Sentia o homem, tanta, que um dia quase roeu um daqueles ossos duros na solidão, mas pensou e devolveu no cocho. Aquelas crises de ciúme iam e voltavam e o cachorro não tinha isso, era tranquilo, balançando a pelagem branca pela casa com a medalhinha no pescoço. A medalhinha!? Será que não seria alguma indicação do nome do antigo dono? Se fosse, iria devolvê-lo. A mulher que comprasse outro pequinês para se distrair. Então tentou a amizade com o inimigo. Ao sair a esposa, começou a se entreter com o cachorro para ler a medalhinha do pescoço dele. A aproximação foi lenta e gradual, enquanto se descuidava propositalmente da tela da TV. O cachorro assentiu ao carinho, olhando para ele como gente e relaxando a língua, arfava pelo inesperado e ele foi até que chegou à medalhinha e, lendo “in canis corpore transmuto” transformou-se em cachorro e o Pimpão, em homem. Momentos após chegou a mulher, beijou o falso marido e puxou a pelagem do falso Pimpão, que teve de descer ao chão e ver o rival com o controle remoto na mão.

sábado, 20 de novembro de 2010








O jardim francês - publicado na @ Tribuna Piracicabana em 20/11/10


Conheceram-se num jardim, na adolescência. Eram bancos entremeados de chafarizes, estatuas e os deuses do amor, sem cerca ou portão, que impedisse a visão ou acesso. Era público e aconchegante, de muito espaço o jardim do primeiro beijo.
Não se casaram, como dois pássaros fizeram o ninho num lugar escuso, na garagem dos pais dela, ao lado do jardim francês, numa cama de solteiro, onde mal cabiam seus corpos e nos corpos em que mal cabiam de felizes.
Na primeira noite perceberam um furo no teto, mas longe da cama, por onde o luar da cheia espraiava-se sobre o piso trincado na marca da mancha limpa, e no ar o halo bonito de uma noite de leve candura. Lá fora, do outro lado da meia-noite, assobios dos passantes defronte a velha garagem com algumas peças desmontadas de carro pelo chão e na parede uma bicicleta inclinada num gancho. A viatura da policia passou com a sirene ligada, sumindo na noite; um velhinho costumava tocar a bengala pelas reentrâncias da porta metálica, como um teclado irritadiço – mal sabia que havia gente lá. A menina virava-se por sobre o companheiro e dava graças a Deus quando ouvia o velhinho ao longe, numa tosse e tóc-tóc na esquina. De repente descia uma bicicleta de breque puxado, uma moto acelera e derrapa, um homem desce assobiando e de mochila nas costas, pensa – é o guarda da fábrica ao lado.
No segundo dia choveu. A lua não deu as caras. As penumbras de caixas e coisas empilhadas ao lado, fazia os jovens assemelhados ao descaso. A goteira do teto era constante, escorrendo pelo corredor contínuo até o portãozinho baixo, atrás de uma espinheira. Sabia que além tinha o jardim, por onde podia o ver úmido e breve sob as luzes redondas de postes antigos.
Nos dias seguintes, a insônia fazia a menina perambular pelo jardim, fora da garagem do pai. As flores estavam esplêndidas com a chuva da noite e o sol matutino derrubava ainda algumas gotinhas das folhas, num som inaudível. Mais tarde o jovem levantava e abraçava o travesseiro ainda quente, dos sonhos que a menina tinha levado para o jardim e para lá ia, acordar-se de vez. Era dia. Na noite seguinte o pai levantou a porta da garagem e os encontrou dormindo lá, nus. Cassou a permissão deles e que se virassem por outro local, lá não. Antes nada era proibido. Se não fosse o jardim não se conheceriam e a garagem seria mais um depósito de coisas.

sábado, 13 de novembro de 2010

Divulgação: Parabéns ao espetáculo teatral ganhador de vários prêmios Tudo o que não invento é falso, inspirado na obra do poeta Manoel de Barros, dirigido pelo Abegão. acima o cenário com as cores dos livros de Manoel.

Parabéns também aos atores mirins Jone e Bruno da Escola Jorge Coury e aos professores pela apresentação da peça de autoria de Jone, As histórias que foram e não voltaram.


Aproveito para agradecer à ong www.viralaviravida.org.br por doar-nos Belinha (Chiara, registro Ong), encontrada numa toca de coruja com três filhotes, em condições difíceis, cuja foto posto ao lado.

Dois olhos

Um barulho no quintal. Todos acordaram na noite. Cuidado, pé ante pé no silêncio que se instalou a seguir. Nada. O quintal estava calmo. As janelas contidas pela cortina de seda, a cidade sonha nas penumbras domésticas, nos corredores de fora, a lavadora de roupas, os varais no balanço da brisa madrugadora, ruídos furtivos de um pássaro noturno e dois olhos. Dois olhos! Sim, viam-se sob a cadeira encostada à parede, donde lá saiu um cachorro de cor caramelo. Eram dois olhos e quatro patas brincalhonas. Tinha fome, mas contentou-se em lamber a primeira mão estendida e com a sobra esfriada sobre o fogão do jantar.
Enrolado numa camiseta velha do dono da casa adormeceu. No dia seguinte o visitante esticou as pernas, cheirou toda a cercania da casa, cuidadosamente e aguardou na porta da cozinha. As pessoas iam se levantar. Sabia. Foi estabelecendo preferências. Gostava de mexerica e não comia abacate. Se tivesse problemas intestinais fazia jejum e comia mato, o seu olfato lhe permitia conhecimentos além da do dono biólogo. Os ossinhos, iguarias que a dona lhe dava escondidos aos pedaços pela casa e quintal, o cão ia a eles pelo olfato estabelecendo um mapa em seu cérebro canino. Mas de memória? As tinha? Por certo. Quando os pedaços eram menos que os quatro costumeiros, fazia o caminho pelos esconderijos habituais, como os da sequência anterior, buscando o alimento e o carinho atrás de obstáculos, em sua jocosa manobra e piques pelo quintal.
Por vezes, Dois olhos – esse era o segundo nome ou apelido que perdurou ao animal - devolvia às pessoas da casa um ou outro alimento ou brinquedo, seguros na boca, numa relação de amizade, ou ainda, o animal escondia objetos em algum lugar escuso, ao acaso, de presente a quem fizesse a faxina. Ao ser afagado nos pelos do pescoço relaxava do stress do quintal, das formigas que comiam sua ração e dos pássaros que invadiam seu território. Olhar enigmático, o sentimento canino era imperscrutável, mas benignamente, afetivo e manso, contido nos olhos expressivos. Mordiscava, não feria as mãos humanas que o incomodavam; se uma tapa acidental ou não, sempre oferecia outro focinho, outros olhares inenarráveis aqui (pergunte a mulher). A mulher, sensível, dizia ao marido: “Os olhos mudam, veja esse olhar, parece gente!”. Dois olhos fita também o dono que tirava os olhos da TV, era como se tivesse ouvido a conversa toda, silente e em pé nos joelhos da dona, falava com os olhos.
Dentre os parentes, era tido por alguns como um cachorro vadio, de manhas e mais uma boca para alimentar. Afinal seria uma ótima companhia para maltrapilhos e bêbados, chegavam a dizer. Era mesmo, não fazia acepção de pessoas, reconhecia a raça humana além das ambições e vaidades. Tinha faro, feeling para conhecer amigos. Mas a sua predileção era a família que adotara (o cão os adotara).
Publicado na A Tribuna Piracicabana em 13/11/10 - grato

sábado, 6 de novembro de 2010

Divulgação:
Nhô Lica já é peça de Teatro com o diretor, escritor, e roteirista (e discurpe se fartô algum atributo) Carlos ABC que fez essa peça com o habitual jeito piracicabano e quem não conheceu Nhô Lica, conheçam.
texto do blog:
Espero que gostem do texto de minha infância, talvez a família goste.
Estamos com os últimos exemplares de O Efeito Espacial, grato a todos os leitores e incentivadores da leitura e do gênero. Tento fazer o meu melhor e caprichar, cortar na carne palavras e frases para dar entendimento e não torturar o leitor.
Grato.
O blogueiro.

Fuga do sultão


Minha infância. O sultão era cavalo único. Lembro-me dele na cachoeira, depois de desencilhado da carroça. Comia olhando ao longe, aliviado do cansaço da jornada da feira, enquanto meu pai fazia a sesta. Era como seus olhos contassem do pai, com quem eu não podia estar o tempo todo. Sultão agora estava lá solto, comendo, livre de peias e eu sabia que papai dava um cochilo dentro de casa.
Ficava olhando o babão e, se o olhasse direto nos olhões, parava. Tinha os olhos escuros e orelhas expressivas quando eu chegara próximo à cocheira. Esticava o braço àquele ser pré-histórico e manso e ele interrompia a mastigação, depois dava uns coices para assustar as moscas. Ao fundo a carroça empinada num canto, nosso “carro”, com estribo de metal e com varais de ponteiros cromados que reluziam ao sol. Quando meu pai levantava-se, passava pela cocheira fazia umas “massagens” na cara do animal e batia forte nas ancas com alguns gritos e o cavalo arrancava para o pasto num relincho de liberdade, dava umas voltas de corrida, de galope, como numa demonstração ao dono. Acho que meu pai fazia isso para eu ver.
Uma manhã meu pai não pôde ir à feira como fazia. De madrugada já viu o portão quebrado e o sultão fora-se. Os vizinhos comentavam e tentavam ajudar olhando pelas redondezas. Perambulava eu pelo pasto vazio e pela cocheira limpa, sentia a falta de sultão. Por onde andaria? Foram dias de preocupação e sem a féria da feira, a família ia passar necessidade. Às vezes, tinha a impressão de ver o animal pastando de cabeça baixa, cortando o capinzal como cortadeira de grama, até ouvia as batidas de patas – não relinchava quando comia. Claro que não estava lá, via meu pai preocupado, pensando em outra solução para a carroça. Eu, criança, sem poder opinar, não via outra opção à carroça a não ser o sultão. Aquele andar cadenciado, de pelos negros, o meu cavalo. Meu? Não, meu pai o dividiu comigo e assim o dissera para satisfazer minha fantasia. O nosso cavalo fugira.
Esses cavalos soltos se ajuntam a tropas em beiras de estradas, em campos, então as patrulhas municipais os pegam e os donos tem de pagar para os reaver. Meu pai já tinha desenganado da busca, mas eu não. Como ia deixar levarem o meu cavalo?! Imaginoso, via aquele cavalo em pensamento. Tinha uma ligação com ele e ao meu pai. À toda informação da vizinhança de algum cavalo parecido os vizinhos vinham à nossa casa. Uma carroça ia levando dois cavalos achados pela rua debaixo. Meu pai fazia a sesta, então sai com minhas calças curtas e descalço, alcancei a carroça aos gritos. Eles pararam, os cocheiros tinham relhos nos ombros e puxavam os animais por cordas, e dei uma ordem:
- Soltem o meu cavalo.
Um senhor olhou de cima e para trás, sem nada dizer, só olhava.
- É esse, é do meu pai, viu. Solte ele, meu pai é ferante. Mora ali, ó, tem de ir na feira amanhã, solta o meu cavalo.
- Seu pai vai pegar ele lá curral da prefeitura, menino.
Olhei o sultão, que não queria ir. Insisti sem argumentos, o homem jogou as rédeas dele para mim. Talvez pensasse que eu os fosse seguir até a prefeitura.
Depois de alguns anos meu pai comprou uma Kombi e o cavalo foi vendido para alguém que era amigo seu. Foi como me contou também, que estava gordo e por final:
- Lembra do Sultão? Morreu.
Assim meu velho pai ia ajudando-me em alguns passos e impulsionando-me em outros, os quais foram revelando-me a vida.

sábado, 30 de outubro de 2010



Casa na enseada

Sobre o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça, abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltitando pelas árvores próximas.
Dentro da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo, doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora, mas não de fora para dentro.
Numa manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava, virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar, cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim! Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto, desiludiu-lhe o guarda.
Cansado e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de acasalamento. Mas qual o quê?
Por estranho motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro, mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e morto numa toca de humanos.
Meu voto:
Boas eleições e votos de uma feliz decisão, não vamos acabar com raça de ninguém, respeitemos a democracia e todos os partidos constituídos e devidamente legalizados. Devemos acabar sim é com o preconceito, esse não produz benefícios a ninguém, porque é medo; prudência tem-se na Lei e na democracia, hoje constituída num estado de direito. É o meu voto.
O blogueiro. (sábado, 30/10/10)

sábado, 23 de outubro de 2010

















Publicação do blog:
Amigos, este texto refere-se à múmia verdadeira encontrada em Tirol e que muitos programas e notícias já se fez sobre a mesma. Espera que divirtam-se com o vovô Patusko. Se (não) gostarem da abordagem deste ou de algum outro texto, façam suas críticas. Postei várias imagens de Tirol e do suposto patrulheiro. Um abraço.
O blogueiro.
Aproveito para agradecer pelos acessos e aos compradores de O Efeito Espacial e pelos e-mail sobre o livro. Abraço a todos e estamos abertos a qualquer questão que possa nos ajudar mutuamente.

Múmia tirolesa (Ficção)

Vovô Patusko viajou à Itália. Passeios pela cidade entre as pombas da praça. O dinheiro ia escasseando, arrumou “bico”. Lavador de carro, garçom, lenhador até e polícia rodoviária italiana na região próxima ao Tirol, em rondas noturnas.
Numa das rondas com Giuseppe até a fronteira da Áustria em que tremia de frio, seus neurônios estavam quase a zero grau, queria voltar. No acostamento viam os carros que passavam trazendo o ar frio neles. Entraram mais adentro do acostamento, quase na geleira e viram um indigente morto pelo frio, quase encoberto pela neve, a alguns metros da fronteira.
O companheiro ia fazer uma ocorrência, mas Patusko o impediu, queria voltar logo para casa. O indigente? Já estava morto e tinha de ser tirolês. Era só repatriar o infeliz além fronteira. Que fosse recolhido pela ronda Austríaca. O frio manteria o indigente morto e incorruptível, mas na Áustria. E antes que o companheiro puxasse suas anotações
, sem mais olhar o corpo, vovô empurrou com a bota o defunto estrangeiro e voltaram para casa.
Na manhã seguinte, Giuseppe o acordou e quase deu um soco no brasileiro. Perdia-se nas frases de tão ansioso. Falava de patriotismo, honra, e por fim acrescentou que “o indigente italiano que você jogou para a Áustria tinha cinco mil anos!”. Pat
usko pensou que o colega estava bêbado. O indigente pareceu-lhe velho, mas cinco mil anos! Naquela neve todo mundo parece ter cinco mil anos. Então ligou a TV e a notícia corria pelos jornais de TV e impresso. O mundo já soubera nas primeiras horas. A Áustria divulgara o achado pré-histórico deles, que desbotou a amizade dos patrulheiros. Então Patusko lavrou a ocorrência com data retroativa, inserindo um “deslizamento acidental” do corpo sobre a fria neve até o país vizinho onde foi recolhido pelo serviço que recolhia múmias, mas a múmia era italiana, frisou em negrito. Passou as anotações ao chefe e começou a celeuma internacional. De quem era a múmia? Quem a recolheu, suas impressões digitais, a indumentária, a bolsa que portava? Apareceu até uma dona que queria usar o DNA dele para ter um filho ancestral. Os austríacos reivindicavam o achado. Já tinham o corpo recolhido num laboratório para estudá-lo com escâner, sem bisturis para não ferirem o morto ilustre. A notícia e os boatos fervilhavam em todos os jornais. E a múmia, vovô?
Patusko tentou consertar o desatino da noite anterior e entrou furtivamente no laboratório de dessecação disfarçado de cientista, todo de branco e
de óculos escuros. Lá jazia o corpo esquelético onde se lia numa tabuleta: Múmia de cinco mil anos. Podia ser seu antepassado, ter brigado com dinossauros, sabe-se lá. Conheciam-se somente há algumas horas atrás, na fronteira, chutara aquele corpo estranho. Olhava para ele e parece que ia falar. As mãos ainda com carne e uma luva tosca parecia repousar do frio exterior. Os maxilares impressionavam pela força e determinação. Sem conhecimentos específicos daquele gélido cadáver ancestral, cuja aparência conjecturava.
Patusko falava por um celular e pegou a bolsa de couro do infeliz:
- folhas de chás, sementes, canivete, êpa! Essa múmia não é italiana não, ói, uma pamonha mordida, uma foto do Salto de Piracicaba! - Mas antes de acabar alguém se levantou e:
-Devorve meu celular aí, meu; num dá nem pá tirá um cuchilo, vô te contá, viu!

sábado, 16 de outubro de 2010

Como sempre, agradeço aos acessos e leitores de O Efeito Espacial, restam poucos e estão à venda na Libral e Nobel do centro de Piracicaba ou por e-mail. Apressem-se antes que o natal chegue.
Como siempre, agradezco a los lectores de los accesos y efectos espaciales, hay pocos y están a la venta en Libral y Nobel Piracicaba Center o por correo electrónico. Prisa antes de que llegue esa Navidad.

Divulgação:

Tudo o que não invento é falso é uma peça teatral dirigida por Márcio Abegão e com vários prêmios. Vejo que nesta frase de Manoel de Barros, cuja referida peça trabalha o textos dele, mostra que o conhecimento passa pela fantasia, e se não invento ou reinvento, as coisas me são falsas. De fato, ele é um poeta essencial. Aproveito para refletir sobre a percepção que temos das pessoas ao nosso lado. Cada um olha para si mesmo, numa psicologia defensiva e nada sabe do outro até o momento que adoece, que morre ou ganha ou tem um fato notório. Daí sim, tem de ser noticiado globalmente e entra no panteão de santos da mídia. Não é o caso desse desnobelizado poeta dos fundos dos rincões, onde "os bois o criaram". Parabéns ao Abegão e ao grupo e assistam.

Divulgación: todo no invención es false es una obra de teatro dirigida por Márcio Abegão y con varios premios. Veo que esta frase de Manoel de Barros, cuya pieza funciona los textos que se refiere a él, muestra que los conocimientos se pasa a través de fantasía, y si no invención o reinvento, las cosas son falsas. De hecho, es un poeta esencial. Aprovechar esta oportunidad para reflexionar sobre la percepción que tenemos de las personas a nuestro lado. Cada uno de ellos un vistazo para usted, una psicología defensiva y nada sabe el otro hasta el momento en el que enfermo, antes de morir, gana o tiene una bien establecida. Sí, debe ser notificado en el mundo y entra en el Panteón de los Santos de los medios de comunicación. No es el caso llega de fondos de la poeta desnobelizado, donde "creado el bois". Enhorabuena a Abegão y grupo y asistencia


Quase gêmeo (quase ficção)


Nasci depois de vinte meses dele. Perdi a carona com a cegonha branca ou estava num ninho distante, talvez na Itália setentrional, mas cheguei meio sem jeito. Minha mãe menstruou durante toda a gestação e não me esperava mais. Quando nasci, depois da tapa na bunda, minha mãe quis me batizar logo e por o nome do santo dos doentes, Camilo de Lellis, mas meu pai - já que eu tinha vindo mesmo - não me queria tão santo e trocou o de Lellis pelo Irineu. Conseguiu contornar a esposa, tendo em vista que o segundo nome era variação de Irene, a mãe dela. Escapei das honras do altar pela primeira vez, inda bem! Obrigado, pai. Mais tarde saí do seminário antes de pôr a batina e hoje sou casado. Não me vão pegar tão fácil à carolice.
Voltando ao início, dei-me por nascido. Depois de doente por anos devido a um desmame precoce, não mamei mais e até hoje tenho problemas com os sons bilabiais. Mas na família que Deus me deu identifiquei o quase gêmeo, o apressadinho. As pessoas se referiam a nós como tais, gêmeos; eram dois pintinhos, eu amarelo e o outro preto. Por incrível que pareça era mais franzino, minha mãe temia pela saúde dele. Eu, depois da doença à quase morte, de magro revigorei e já cantava de galo, mas o outro era lépido, mesmo franzino. Tinha coisas que eu não sabia fazer e nem tinha a esperteza necessária. Família pobre, as roupas, presentes dos tios e avós, eram de uso comum, dos mais velhos aos mais novos, eu ficava com as dele.
Mas o primeiro triciclo! Eu andava atrás, corria e não chegava a minha vez de montar e pedalar. Era eu! Eu já era...a bicicleta passava num nhéque, nhéque pela sala, pela cozinha, pelo corredor, ufa! Aquela bicicletinha azul, miniatura que nos fazia importante, uma simulação do mundo dos adultos e do nosso mundo de criança. Por vezes, parece que ainda estou correndo atrás daquela bicicleta pela casa, onde o espaço era nosso; mas quando a via estacionada num canto, com os pedais parados no quarto e podia pegá-la, sentia que precisava de mais alguém para brincar, o meu irmão quase-gêmeo. Sozinho não tinha graça.
Porém, cheguei um pouco atrasado ao mundo. Verifico isso hoje, muito se passou sem que eu tivesse consciência ou a consciência que se tem. Pus-me a estudar História e no final a gente se vê reinventando o passado, o que existe é o presente. Se eu nascesse hoje não seria diferente, não seria gêmeo de ninguém. Mesmo no útero, eu era como os jogadores que antes de chutar dão uma paradinha. Fui educado, tinha de me preparar, olhei, pensei e acabei nascendo pelado mesmo. Mesmo antes de vestir eu quero saber da bicicleta azul, das azedinhas que colhíamos no mato, da água do vaso de flores que bebi, do arame que enfiei no canto dos olhos, da cicatriz de faca nos meus dedos, da lapa do dedo que tirei numa pelada de rua, dos meus sapatos furados, da alma do outro mundo, da porquinha que escapou do chiqueiro, da mulher que beijava bunda de neném, do seu João que tomava pinga na mamadeira, de mim mesmo. Aquela bicicletinha azul com os pedais parados são recordações, como um sonho que se sonha a só, por isso o texto e o mundo de muitos outros significantes e textos que lanço. Vão brincá de bicicreta, Baso?

casi gemelas (casi ficción)
Nació después de veinte meses de ella. Perdida el Paseo con la cigüeña blanca era un nido o distantes, quizás en el norte de Italia, pero conseguí la mitad torpemente. Mi madre está menstruando a lo largo de la gestación y yo más esperados. Cuando yo nací, después de la bofetada en el culo, mi madre quería que me a bautizar el logotipo y por el santo nombre de pacientes, Camilo de Lellis, pero mi padre ya había sido incluso-no me quería como Santo y intercambiaron el de Lellis por Ireneo de Lyon. Podría eludir a la esposa, como el nombre del segundo fue la variación de Irene, su madre. Escapó honra el altar por primera vez, inda bien! Gracias, papá. Más tarde dejó el seminario antes de poner la sotana y hoy estoy casado. Recogerá tan fácil a carolice. Volviendo al principio, me ha dado nacido. Después de enfermos durante años debido a un temprano destete, no mamei más y aún hoy tengo problemas con el bilabiais de sonidos. Pero en la familia que Dios me dio la identificados casi gemelos, apressadinho. Las personas a que refiere la letra a nosotros como tal, gemelos; fueron dos polluelos, I amarillo y el otro negro. Sorprendentemente fue más delgadas, mi madre temía por su salud. Después de la muerte, enfermedad revigorei casi bajita y ya cantó de Cock, pero el otro fue Lépido mismo delgado. ¿Había cosas que no sabía que hacer y ni la inteligencia necesaria. Familia pobre, ropa, regalos de tíos y abuelos, eran de uso común, de antiguo a más reciente, estuve con él. Pero el primer triciclo! Yo caminaba detrás, corrió y no alcanzado mi tiempo para montar y pedalear. Estaba yo! Ya estuve... la moto fue un nhéque, nhéque por habitación, cocina, corredor, ver! Ese bicicletinha de miniatura azul, hemos hecho importante, una simulación del mundo de los adultos y los niños de nuestro mundo. A veces parece que todavía estoy ejecutando detrás de esa bicicleta alrededor de la casa, donde el espacio era nuestro; pero cuando la vía estacionado en una esquina, con los pedales se detuvo en la sala y podría conseguir, sintió que necesitaba alguien a jugar con mi hermano casi-gemelos. Por sí solo no era libre. Sin embargo, llegó un poco tarde para el mundo. Veo esto hoy en día, mucho ha ocurrido sin que he tenido conocimiento o conciencia que tiene. Pus me estudiar historia y al final todo el mundo ve reinventar el pasado, lo que es esto. Si fueron nacido hoy no sería diferente, no sería el doble de cualquier persona. Incluso en el útero, estaba como jugadores antes de patada dan un paradinha. Fui educado, tenía que prepararme, miré, pensamiento y terminó siendo nacido sin pelo. Incluso antes de vestir que me pregunto azul, la moto que azedinhas colhíamos Mato, agua del jarrón de flores que bebía, de alambre que se inició en la esquina de los ojos, cicatriz cuchillo en mis dedos, da lapa dedo que tomé una calle desnuda de mis zapatos atascado, el alma del otro mundo, porquinha que escaparon el Orzuelo, las mujeres que lograron a culo bebé, John quien tomó pinga en botella, de mí mismo. Ese azul con pedales bicicletinha detenido son recuerdos, como un sueño sueños sólo, por lo que el texto y el mundo de muchos otros significativos y textos que transportar. ¿Vaya brincá de bicicreta, Baso?
Em respeito aos seguidores de língua Hispânica traduzo, grato.

Comente abaixo, abraços

sábado, 9 de outubro de 2010

Vargas > .......... Guerra de Canudos > ....o canudo do ...... NOBEL

VIDE APÓS O TEXTO DO BLOG, ABAIXO, antes uma Piadinha: Não vou deixar não. Vai uma piadinha: “Se dessem-me o Nobel de Literatura (que pretensão!) como deram o Nobel da Paz ao OBAMA para implantar a paz no mundo – como incentivo pela sua eleição, quem sabe eu faria uma literatura melhor, mas ele implantará a paz?” Não riam, não em graça. Todo prêmio traz um castigo, não é de graça. A boa literatura vale pela sua expressão de realidades e não por estética simplesmente, por isso vide Guerra de Canudos que Vargas se debruça. Euclides da Cunha não se curvou e seguiu a essência, contrariando a política do época com chavões contra e a favor à monarquia, mas o que estava em jogo era a vida daqueles pobres do sertão tão bem retratados como Hercules-quasímodos. Os governos passaram, o registro ficou no povo e no livro e no Peru. Comento após o texto O chapéu do nono.

(O Seminário)

Grato aos leitores que adquiriram os quase 300 exemplares de (O Efeito Espacial) e pelas manifestações de apreço e de crítica. Você também pode fazê-lo pelo e-mail camilo.i@ig.com.br. Os desenhos abaixo é um estudo meu para o próximo projeto de livro, O Seminário. Depois de trinta anos na gaveta, fui seminarista em 82-85, criei um romance mas não publiquei. Se o fizer agora, mais volumoso que O Efeito Espacial o farei em poucos exemplares devido ao preço e sob encomenda. Você poderá ter o seu, tem várias pessoas que o querem ler de qualquer jeito, até no prelo, mas o quero bem acabado e sem rasuras em quem quer que seja.





O CHAPÉU DO NONO




O chapéu do nono (ficção)

O nono tinha um chapéu que sempre pendurava ao chegar. Sempre gostei daquele chapéu, mas com o respeito que impunha, nunca tive a liberdade de pegá-lo ou alcançá-lo no cabide. Hoje o nono é morto, o chapéu ficou por lá sem a cabeça dele. Uma lembrança de quem o usou. Um belo chapéu. Nunca usei chapéu algum, bonés sim, chapéus nos envelhecem, pensava e velho era o nono e outras pessoas da sua geração.
Num desses dias de sol e de sábado, vendo o chapéu à-toa resolvi pô-lo à minha cabeça. Ademais estava careca como o vovô. Era meio incomodo, deslocado usar um chapéu de alguém falecido, mas era alguém do meu DNA. Até via o nono rindo em seus bigodes grisalhos vendo o neto ridículo pelas ruas. Tomei emprestado para ir ao trabalho e voltar, socorrendo-me do sol de verão. Como medito e até viajo em pensamento, as lembranças dele me tomavam as idéias.
Depois do trabalho, quando estava à só em casa, aproveitava para ir às compras com o mesmo chapéu. O centro novo da cidade. Lembrava-se segurando em suas mãos o mercado velho, o pastel e as imensas ruas de calçamento de pedras. Subia na carroça e o cavalo ia raspando as ferraduras. A sombra do homem de chapéu o conduzia.
Eu subia as ruas agora a pé e a carroça ia na minha memória, flores nas janelas das casas, um portão que bate, o cheiro de comida caseira e vozes das pessoas lá dentro. A vida urbana era assim. Aos poucos tudo ficava para trás e o silêncio ia mudando as coisas, o cavalo já trotava e a carroça já ia chegar a casa.
Outro dia sai com o chapéu. Passei tranquilo por uma casa antiga, mas tive a impressão que alguém me olhava. Podia também ser uma mancha do vidro, isso acontece. Mas mancha não se mexe. Quem mora aí? Perguntei à vizinha. Ninguém desde que a antiga proprietário faleceu, foi a reposta. Sim, agora me lembrava, o nono viúvo andara por aqui e tinha uma paquera. Emilia, esse era o nome. Noutro dia passei e quis entrar, pulei o portão de madeira e estava dentro do casarão de assoalho e um cheiro de velharia. Subi a escada para o andar de cima até a sacada. A janela de vidro manchado. Alguém mais esteve ali e escreveu bem tosco no vidro “Emilia”.
Desci meio sem jeito e fingi que era o proprietário aos transeuntes. Se soubessem que era invasor ia pegar mal. Num minuto ganhei a rua e o casarão ficou lá atrás. Cheguei à minha casa, almocei a comida de minha amada e relaxei no sofá. Vai sair à tarde, bem? Perguntou-me. Claro, preciso exercitar-me, respondi. Levantei-me, mas cadê o chapéu?! Nunca mais o vi nesse mundo.
Vargas Llosa:
Vargas Llosa sofreu a influência do Existencialismo de Jean Paul Sartre. Muitos dos seus escritos são autobiográficos, como "A cidade e os cachorros" (1963), "A Casa Verde" (1966) e "Tia Júlia e o Escrevinhador"(1977). Por A cidade e os cachorros recebeu o Prêmio Biblioteca Breve da Editora Seix [Barral e o Prêmio da Crítica de 1963. Casa Verde narra a vida das personagens em um bordel, cujo nome dá título ao livro. No Conversa na Catedral publicado o próprio Vargas Llosa caracterizou como obra completa, narra fases da sociedade peruana sob a ditadura de Odria em 1950, é um um encontro na Catedral entre dois personagens: o filho de um ministro e um motorista particular. O romance caracteriza-se por uma sofisticada técnica narrativa, alternando a conversa dos dois e cenas do passado. Em 1981publica A Guerra do Fim do Mundo, sobre a GUERRA DE CANUDOS que dedica ao escritor brasileiro EUCLIDES DA CUNHA autor de OS SERTÕES. Neste ano de 2010 foi agraciado com o por sua "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". Esse é do Peru.

sábado, 2 de outubro de 2010

Divulgação:
“Teteco teco nos tamancos
Cocola cola no sapatão
Ziguezague a linha
Agulha na mão.”

TECO TETECO é um poema de Luzia Stocco. Joga com som e repetições de palavras e ações numa vivência criativa e consciente, publicado na íntegra no seu blog http://literarteluziastocco.blogspot.com/




Grato aos leitores que adquiriram os quase 300 exemplares de O Efeito Espacial e pelas manifestações de apreço e de crítica. Você também pode fazê-lo pelo e-mail camilo.i@ig.com.br.
Os desenhos abaixo é um estudo meu para o próximo projeto de livro, O Seminário. Depois de trinta anos na gaveta, fui seminarista em 82-85, criei um romance mas não publiquei. Se o fizer agora, mais volumoso que O Efeito Espacial o farei em poucos exemplares devido ao preço e sob encomenda. Você poderá ter o seu, tem várias pessoas que o querem ler de qualquer jeito, até no prelo, mas o quero bem acabado e sem rasuras em quem quer que seja.


Cidade dos mendigos

Gotículas que molham o mendigo lá embaixo na calçada e não sabe que o jardineiro anônimo sou eu. Não pode me alcançar, o vi quando saí pela portaria e lhe dei duas moedas de cinco centavos, que me incomodavam frias no bolso. Em troca agradeceu ao “seu dotô”. Tenho roupas boas, “algum” no banco, títulos não, mas moro lá no meio de gente rica e vejo o crepúsculo. Nem olho mais, de tanto que vejo nem olho. Pra quê? Isso sempre me deu tristeza e minhas flores não precisam de sol, comprei numa lojinha logo ali embaixo na esquina, paguei barato e têm outras, de todas as cores e tipos, imitam Holambra, vou dar algumas de presente e o regador fica por conta de quem ganhar.
Todos os dias antes de sair rego plantas. Do meu prédio, da cobertura, minhas flores plásticas e verdes, sempre verdes sem pragas ou borboletas, sem beija-flores e insetos. A água é limpa, clorada e filtrada de um regador limpo, mas não tenho tempo de vê-las crescer.
Mas essa gente não sai da calçada. Esse
mendigo insiste em ficar aí. O pior é que um morreu e noutro dia já tem alguém marcando território com as palmas estendidas. Sou religioso sempre contribuo com algum na mão deles. Dizem que lá nos países ricos, de primeiríssimo mundo, não é assim. Meu vizinho passa as férias por lá e me conta. Lá, onde tem dinheiro tem os mendigos clow, têm os parados como estátua, os de mãos espalmadas e “têm glamour” – usam jeans ou roupas sociais, tudo combinando com um mendigo de primeiro mundo. Mendigos não, imigrantes de onde os países empobreceram.
Outro dia, só por curiosidade, pus-me a seguir o mendigo manco. Todo mendigo é meio manco ou anda esquisito com um saco quase vazio às costas e, na maioria das vezes, tem um cachorro que vigia a gente que passa ou mesmo caridosos como eu. Todos meio iguais, como as minhas flores de loja.
Como tossia o homem! Devia sair da marquise aberta, se os pingos do meu regador o molham. Que tolo! O sol já o seca, só alguns passos já toma o ônibus, se quiser. O coletivo passou e ele nem se deu ao trabalho de estender o braço! Vai a pé? Sim, vi o tal outro dia com minha luneta, ele mora distante, aliás, tive de parar de olhar porque a vizinha do outro lado estava incomodada.
Mas foi assim que cheguei a um punhado de casas amontoadas umas sobre as outras e ele desapareceu no meio das pessoas. Eram todos assim. Havia mulheres mendigas também. Mas que ousadia! Flores de verdade no parapeito de janelas velhas, tristes e baldias - nada escrito, mas era um lar. Eram catadores. Meu Deus! Foi isso! Esse mendigo que eu segui catou meus sonhos que caíram da cobertura. Pior, o mendigo era eu catando meus sonhos, e você? Mora na cobertura?

sábado, 25 de setembro de 2010

Sobre livro: A divulgação e venda do livro O Efeito Espacial está tendo sucesso. Já vendemos mais da metade dos exemplares impressos, sem contar o que doamos, graças a Deus. Os livros adquiridos, mesmo em livrarias (Nobel e Libral do centro de Piracicaba) podem ter nosso autógrafo e o desenho do ratinho, se quiserem os compradores – disponho-me a ir até os leitores e apor uma dedicatória própria, o que ocorre na maioria dos exemplares do meu livro vendidos de mão em mão, às quais pude apertar e às pessoas abraçar. Certamente aumentaram o número de leitores. Grato.

Texto do blog:
A bobeira é algo que a todos acomete, mas na sociedade tem de se esconder para não manchar a imagem ou autoimagem, por isso posto esse texto de bobeira, mas leiam assim mesmo, por favor.


O Bobo da corte

Contam as antigas lendas que dentre os fidalgos é eleito um indivíduo mais forte, capaz de suportar as chacotas e carregar as frustrações do grupo. A escolha sempre recai sobre um plebeu, que não sabe ou finge não saber que é nobre. Então surge o Bobo da corte. Às vezes corre risco de morte, devido ao descontrole da corriola. O chefe do grupo é o rei, que na verdade, joga suas mazelas e incompetências sobre o bobo.
O escolhido é alguém alegre e imune ao escárnio, para que os escarnecedores não sintam que são eles mesmos na pele do outro. O Bobo é um anão, homem de baixa estatura física, de pernas atrofiadas, de mãos e braços pequenos, de andar desengonçado, aparentemente diferente dos fidalgos. Veste-se como um arlequim, pode ser de ambos os sexos, se feminino pode, dentre outras coisas, servir de babá das princesas e infantas.
Os Bobos podem ser nobres para alguns que têm visão como um Velásquez, pintor da corte. Se a corte perceber que o Bobo, alter ego secreto do rei, melhorou a imagem naquele meio pode sofrer castigos ou vilipêndios. Afeito ao menoscabo dos seus “iguais” sabe portar-se em seu ser, alegre, ridículo e cambiante. O dom da arte o acompanha como uma arma de Deus, para estar entre aos estúpidos e ingênuos, da mesma maneira.
O Bobo do reino é mais como uma criança, espontânea, controvertida e aparentemente ingênua em sua humanidade, também feia, indefesa e alegre. Às vezes, até o destino lhe prega peça, devido a sua espontaneidade, abre a guarda em demasia aos golpes do rei e dos fidalgos. Quando pequenos os príncipes têm neles verdadeiros mestres disfarçados, vistos como duendes ou fadas, que ensinam que o real é pitoresco, trivial, imprevisível e genuíno, depois de adultos aprendem a achacá-lo, como os outros.
Somente um verdadeiro príncipe ou verdadeira princesa de estirpe sabe reconhecer um Bobo, em meio à roupa colorida e ao rosto pintado os verdadeiros olhares da alma. Que o Bobo não é um saco de pancadas, a coxear no seu nanismo sem o revide usual dos “fortes”, mas um ser em transformação espiritual num circulo virtuoso, em meio ao vício a sua volta.
Como Calabazes, o olhar de criança, desfocado, a pinceladas rápidas de Velásquez, amiúde aos impressionistas, registrou esse e outros Bobos, historicamente conhecidos. Não como reis e papas em seus tronos, fictícios; mas um cidadão mediano, cheio de alma e sonhos. O leitor conhece algum Bobo? Cuidado! De bobo e de louco, todo mundo tem um pouco.
Publicado no jornal A Tribuna Piracicabana de hoje (25/09/10), faz parte do meu orkut e de alguns amigos, está afixado na mostra do fórum de 2009 e fiz várias cópias aos amigos. Obrigado, eu me senti realizado em fazer este texto, que, apesar de pequeno, deu-me muito trabalho de pesquisa e encasquetei até que saiu.

Nota: O humor é uma intimidade que não intimida, o escárnio sim; a tênue linha que os divide é que faz a diferença de ânimos.

sábado, 18 de setembro de 2010


A imagem que coloco é uma pintura c.1665-75 e o artista parece conceber o cão como sendo de Cristo mesmo, nessa tela de O milagre de Caná. Se o leitor quiser, pode acessar o site ttp://www.gettyimages.pt/ e copiar fotos que desejar, inclusive colocar em seu blog.

Grato aos leitores de O Efeito Espacial e aos 56 acessos a esta página nesta semana.

Divulgação:

Luzia Stocco está com um blog e postou uma poesia hoje(18/09/10) no jornal A Tribuna Piracicabana em que joga com formas geométricas, estruturas e com o movimento da vida, tecendo e descobrindo a forma e a identidade; porém, minha amada, nunca perderá a sua essência de menina - ela, A menina do Bairro Fria.




Se Cristo tivesse cachorro

Quando Maria chegasse à tumba com a pedra movida, ouviria alguns latidos ou uivos, mas não, acho que haveria um cão tranquilo, embevecido, ainda ali, olhando ao alto.
São Francisco é considerado o santo dos animais e da ecologia. Acalmou o lobo de Gubbio, que vivia a molestar as pessoas. O santo estendeu a mão ao lobo, a quem chamava de irmão. Aliás, esse santo tinha mania de chamar a todos de irmão e não era carioca. Dizem os teólogos que o lobo em tela podia ser um político de maus bofes, uma pessoa e não um quadrúpede. Mas o santo se dava bem com animais, como mostram os santinhos, com pombas nos ombros e coisas do tipo e a Igreja o atesta.
Com relação a Jesus, as escrituras não trazem em cena se Ele tinha algum cachorro; bom, eu tenho. Não sei se foi uma omissão acidental ou de propósito, para não lhe associar a imagem a algum deus pagão, com a cara de cachorro. Bem, o meu cão não é nenhum Anúbis e não tem poder sobre ninguém que não conquiste pelo coração. Mas ainda lanço uma possibilidade de Ele ter tido um lá em Nazaré mesmo.
Os cães são domésticos desde há muito tempo. Mesmo Ele numa parábola o diz sobre um cão que lambia as feridas de Lázaro. Os cães se lambem e lambem os outros, se misturam e procuram restos de comida. Se o cão remete ao temperamento do dono, como se diz, pergunto como seria o cachorro de São Pedro? Medroso, claro. O cão de Tomé, desconfiado. O de João, amoroso. O de Judas, traiçoeiro. O de Pilatos, indeciso. O de Kaifás, acusador. O de madalena, observador. O de Maria, solícito. O de José, trabalhador. O de Jesus, sem coleira e obediente.
Na tentação do deserto o cão podia mostrar os perigos dos precipícios que o diabo queria lhe atirar, acalmar a fome com um pouco de carinho, uivar à noite e jejuar, porque o cachorro jejua enquanto o dono não volta para casa. O cão tem uma força de vontade maior que os humanos e uma humildade em pedir, incomum na nossa espécie. Quando preso no Getsêmani, talvez o animal não atacasse os soldados romanos como fez Pedro, ou nem renegasse, mas seguiria Jesus por qualquer fresta que encontrasse. Apanharia junto com os flagelos impingidos ao filho do homem; se enxotado, voltaria para consolar o divino mestre.
Se tivesse cachorro estaria ao pé da cruz entre as pernas de João e Maria com os olhares caninos para cima e para os dois, triste. Na deposição, estaria lá como atrapalhando a lavagem do corpo e a colocação de essências aromáticas, mas presente guardando o dono. Depois de selar a pedra da tumba todos foram embora, mas ele ficaria mesmo indesejável, assustando os soldados romanos que acreditavam em outros deuses. No sábado não comeria nada, nem beberia, os cães são assim. E no domingo da ressurreição, pilar da fé cristã, ele seria a maior prova, porque o cachorro não abandona o dono – a tumba vazia e o seu olhar para o alto destruiria o último argumento de roubo do corpo. Agora já aceitaria comida dada pelas mulheres e seguidores, sinal que Ele, Vivo, o acarinhou a cabeça ao sair da tumba. (Publicado na A Tribuna Piracicabana em 18/09/10)

sábado, 11 de setembro de 2010

O texto abaixo do Blog:
Botando reparo é uma homenagem ao caipira, mas especialmente a um amigo meu, Claudio. E daí, Claudio, vai só ficar falando do Kaiú ou vai escrever? – Kaiú é um amigo dele e muito simples que conhece tudo pela natureza e gosta de contar coisas, coisas que nem existe. Não existe mesmo? Se o Claudio conta é porque existe, ara? Mas o Claudio não escreve... Escreva, Claudio! Quando a gente insiste com ele, ele diz: Mai escreva o cê, fica mai bão. Não que ele escreva como fala, mas quando fala escreve textos em nossa mente, que nunca sonharíamos em papel. Mas o texto é sobre ele mesmo e o outro, que veio para a cidade, poderia ser eu, mas não sou não, hehehe... Não vai botá reparo, heim?!



Inda sob o efeito Espacial...

Grato aos amigos que pessoalmente, pela ria ou pór e-mail adquiriram O Efeito Espacial. Os que adquiriram na livraria, se quiserem, posso autografar, contatem-me e a gente se dá um jeito de ir até você. Sinopse:
Abduzido e devolvido em miniatura para o seu quintal, rejeitado por não conseguir comunicar-se com os alienígenas. Depois de uma noite escondido no ralo como rato, volta ao tamanho normal e não conta à esposa sobre o "sumiço", mas começa a ter essas recaídas pelo “efeito espacial” ao passar por crises de depressão e de autoestima de forma inusitada, e ele e vai descobrindo uma nova c(C)onsciência de que não é um rato, é... (vide desfecho no final do livro). Obs. Ao lado minha ratinha...lendo. Compre por R$13,90 um livro que você pode dar até para o seu inimigo, rsrsrsrsrs... "Qualquer semelhança entre homem e rato é mera coincidência"(frase atribuída a um rato)


Botando reparo

O amigo morava num casebre a beira de um barranco. Sem nenhum luxo, com mesa de madeira, três cadeiras, alguns bancos de toco. A conversa, no mais das vezes, dava-se fora, na porta. Sobre um toco, numa divina sala pintada pelo arrebol e o riacho com a brisa fresca a cheiro de mato, onde piam aves, dava o efeito sonoro que só tem lá no sertão. A conversa ia solta. Nem era necessário falar “direito”, mesmo calado os caipiras se entendiam. Um gesto de mão, uma tosse, um “oiá”, eram sinais de comunicação a quem convivia com a natureza e conhecia cada animal de seu terreiro.
Quando o compadre chegava, muitas das vezes olhava pela janela e já sabia. O fogo com um tição queimando...tinha gente. Era só “vorteá” pelo terreiro que lá via o nhô Cláudio, mexendo por ali. “Mio pás galinha” e comida nos cochos dos porcos. O vizinho já ia botando reparo. O galo índio valente, os cachaços gordos, as bananeiras dando broto já. A batata doce assando debaixo do carvão e muita conversa amornando o ambiente, antes do primeiro “pitá’. Para o caipira “pitá” tinha de se sentar no toco, na frente da porta de sua propriedade, em primeiro plano, donde via todo o terreiro e o Sol que se escondia detrás do espigão.
Um dos compadres ficou rico, ganhou na loteria. Mudou-se para a cidade, como outros granfinos. O compadre Cláudio não saía do sertão “nem amarrado”, mas queria ver o compadre rico. Estava feliz por ele, porém, o compadre rico mudou muito, brigou com a mulher, começou a viver no luxo e esquecer velhas amizades e a beber “além da conta”. Velha amizade não se acaba assim e nhô Cláudio resolveu dar uma incerta, para pegar o amigo “sem botinas”.
Embrenhou-se por ruas cheias de gente da São Paulo. Assustou-se com tanta selvageria. Passavam em sua frente sem pedir licença, se não cuidasse pisavam-lhe o pé, ninguém dava atenção, perdeu-se. Com o endereço escrito conseguiu chegar à casa do amigo, por motorista de táxi, que deu muitas voltas na Estação da Luz, até parar ali mesmo.
Foi postando um sorriso de “ô de casa!”, quando viu um portão preto e o número indicativo do endereço, era ali mesmo. Um sobrado, daqueles que têm quartos e banheiros no andar de cima, cismou. Esticou a mão para apertar a campainha e quase foi mordido por um cachorro bravo. Devido aos latidos, o compadre apareceu na porta de roupão. Estava dormindo e até aquelas horas! Antes de receber o amigo, foi dizendo que a casa estava em desordem, para não pôr reparo e que a mulher tinha fugido de casa. Devia ter telefonado. Mas qual o quê, no sertão tem isso? Se quisesse voltaria outra hora. Voltava nada, pensou.
Mas estava ali e o anfitrião o recebeu. Foi entrando tímido. Não tinha como não botar reparo, mas encobria-se com o chapéu na cara. Um luxo estragado, que só vendo. Um homem bêbado, roupas bonitas e sujas por todo lado, um cachorro barulhento e desobediente e o amigo ali olhando o vazio, preso entre prédios, sem uma fresta de sol, com um abajur amarelo carne, sem assunto ou expressão. Por fim, depois de um rápido “oiá” disfarçado, o visitante manifestou-se, baixinho, quase ao pé do ouvido:
- Será que vai chovê? – o anfitrião continuou calado e o compadre prosseguiu, já sentindo a água:
- Num é por nada não, minha visita é sem reparo memo, mai ói, se o cê num ponhá reparo na válvula do banheiro lá de cima...

sábado, 4 de setembro de 2010


Inda sob o efeito Espacial...

Grato aos amigos que pessoalmente, pela ria ou por e-mail adquiriram O Efeito Espacial. Os que adquiriram na livraria, se quiserem, posso autografar, contatem-me e a gente se dá um jeito de ir até você. Sinopse:
Abduzido e devolvido em miniatura para o seu quintal, rejeitado por não conseguir comunicar-se com os alienígenas. Depois de uma noite escondido no ralo como rato, volta ao tamanho normal e não conta à esposa sobre o "sumiço", mas começa a ter essas recaídas pelo “efeito espacial” ao passar por crises de depressão e de autoestima de forma inusitada, e ele e vai descobrindo uma nova c(C)onsciência de que não é um rato, é... (vide desfecho no final do livro). Obs. Ao lado minha ratinha...lendo. Compre por R$13,90 um livro que você pode dar até para o seu inimigo, rsrsrsrsrs...
"Qualquer semelhança entre homem e rato é mera coincidência"(frase atribuída a um rato)

As Marias, com Marina e Gabi, duas mestras do teatro piracicabano, quando passar você não deve perder. Acho que da casa delas viram meu blog...
Texto do blog abaixo:
Lembram-se dos Lusíadas, dos Barões assinalados...então.
"As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram; ....."
-- Luís de Camões,
Os Lusíadas (1572)
Canto I, 1--2

Bordões assinalados






Quem não viu?



O quadro de Pedro Américo configura um momento cívico e desemboca nos desfiles e comemorações de rua. Independência ou morte teria sido o grito de um jovem príncipe português, bem assessorado por brasileiros e conspiradores. Por meses lutaram para deixar o caminho limpo nas províncias brasileiras e se fizeram negociações diplomáticas e dívidas para que o mundo aceitasse essa independência de Portugal, sem que a língua do príncipe sofresse qualquer arranhão – falamos o português, pois.
O quadro no salão do Museu Paulista da USP retrata o momento concebido e a sensação do grito. Épico, mostra o monarca e os dragões da independência com seus cavalos bonitos com as espadas desembainhadas em sua direção, num gesto de fidelidade. O novo monarca, ao centro e ao topo, eleva a arma na direção do infinito; mais atrás, cavalheiros tiram o chapéu em deferência ao novo monarca do Brasil. Estariam mesmo lá? Contudo, um cavaleiro espera para passagem, enquanto assiste simplesmente, sem chapéu para tirar – talvez um político mais prudente.
Por fora da cena e da estradinha do Ipiranga (uma rotatoriazinha sem asfalto), acima e ao fundo, vê-se um trabalhador a pé que passou com a mula carregada com picuás no lombo, distante, quase imperceptível. Mais abaixo, em primeiro plano, saindo da estrada para fora do leito carroçável e sobre o mato por não ter passagem, um carro-de-boi carregado de toras e o guia que faz os animais aguardarem para a travessia do Ipiranga talvez. E parece que o grito foi tão alto que o pintor mudou o curso do rio para caber na estética da obra – veio à força de pincéis à margem que mais identificava o evento.
Assim fora o grito, vamos aos sussurros. Dentre o povo alguns comentaram, outros nem souberam de momento. Não foi nenhum grito. Foi uma declaração, uma decisão que não poderia ser adiada e o príncipe vinha de uma noitada em Santos. Subia a trilha para São Paulo com uma besta gateada e não com o belo cavalo rosilho no qual aparece montado para dar o grito. Com certeza já dera muitos gritos, mas “esse” não deu e decidiu depois de sair de uma pequena moita, onde fazia o que todo homem do reino tinha de fazer.
No quadro, o príncipe e seu séquito ao centro da cena ocupando como que uma rotatória de terra acima do riacho, definindo a importância do ato comemorativo. Mas nas laterais a vida cotidiana e o Brasil real, elementos pictóricos que fazem a visão do espectador retomar a cena e girar pelos belos detalhes, fantásticos, dos cavalos e da bravura dentro do quadro. No país da época, o transporte eram carros-de-boi cantantes e picuás de carga nos lombos das mulas, a ferrovia veio depois; mas entre esta cena de borda, alguém montado num cavalo preto e sem chapéu, atrás da cena apoteótica, também na marginal fora da estradinha de terra, sobre a grama - um observador solitário - talvez eu ou o leitor dessa história do Brasil, ou mesmo o pintor que se retrata como assinatura dele, mas se a eleição fosse hoje... Caberíamos nesse quadro, mesmo nas bordas?

sábado, 28 de agosto de 2010

Grato aos amigos que pessoalmente, pela livraria ou por e-mail
adquiriram O Efeito Espacial. Os que adquiriram na livraria, se quiserem, posso autografar, contatem-me e a gente se dá um jeito de ir até você.
Breve sinopse:
Abduzido e devolvido em miniatura para o seu quintal, rejeitado por não conseguir comunicar-se com os alienígenas. Depois de uma noite escondido no ralo como rato, volta ao tamanho normal e não conta à esposa sobre o "sumiço", mas começa a ter essas recaídas pelo “efeito espacial” ao passar por crises de depressão e de autoestima de forma inusitada, e ele e vai descobrindo uma nova c(C)onsciência de que não é um rato, é... (vide desfecho no final do livro). Obs. Ao lado minha ratinha...lendo.
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"Qualquer semelhança entre homem e rato é mera coincidência"(frase atribuída a um rato)

Autógrafo

Sempre me acerquei de sebos, livrarias e bancas de jornal, procurando um título ou foto interessante que captasse o meu momento. Aquele que mais tivesse a ver com a minha vidinha que não para. Às vezes lia com os olhos e lambia com a testa. Gosto de revistas velhas. Daquelas que deveria se pegar com luvas, mas parece que o próprio material físico delas já é histórico, falam por si. Lembro-me que tinha um irmão que colecionava revistas e ocultava numa cristaleira fechada a sete chaves. A sete chaves? Escondia uma em cada lugar da minha curiosidade. Quando vai abrir aquela porta de vidro, por onde eu observava as tais revistas empilhadas ou jogadas de última hora? Quando ia esquecer alguma revista ou livro sobre a cama?
A cama dele ficava na copa (não tinha quarto para todos) e lia lá, ao passar eu olhava por cima e logo ele percebia e fechava ou cobria com a mão, por malvadeza e censura. Eu me sentia um ignorante com os cabelos embaraçados (inda os tinha), só me restava coçar a cabeça e dar o fora. Escondia-me para fazer minhas garatujas num papel de pão, papel já usado mesmo servia – mas parecia ridículo, nunca ficava igual ao que imaginara. Naqueles tempos não havia livros nem papel como os há hoje, os poucos que me caíam nas mãos eram literalmente devorados e depois ia ler um grosso que ficava sobre uma cômoda, a bíblia. Passei a entender lendo as notas abaixo e relendo algumas partes pelo índice remissivo. Fiquei até meio fanático numa época. Por isso lembro-me bem dos títulos que lia e os sebos me são familiares.
Os livros borrados do livreiro de sebo de repasse são interessantes, uma dedicatória, a assinatura de um desconhecido, uma frase cursiva de um intrometido. Pobres livros, mas quem não rabisca. Um aluno que fez uma gracinha na orelha do coitado, ou de um apaixonado arrependido que o deu para o homem do sebo e a gente vai trocando histórias dos outros. Mas nos dias de hoje só não leio de preguiça, da falta de um tempo para minha alma e do critério de escolha em começar. Quando assento-me à leitura, durmo; por isso leio de pé, andando, atravessando as ruas - não façam isso fora de sua casa!
Mas com a publicação de O Efeito Espacial, meu primeiro livro, comecei a autografar também, apondo ao lado de minha assinatura uma garatuja, um rato. E ainda estou trocando obras com outros autores, com autógrafos, é claro. Estou até enviando por e-mail e recebendo pelo correio livros autografados de lugares onde nunca estive, mas de histórias fantásticas. Nesses dias recebi na minha porta um autografado. Não deu para entender o remetente, meio borrado a carvão. Um bilhetinho dentro do envelope dizia em bom português e sem vírgulas: Sr. Camilo como gostas de livros por autógrafos mando-lhe o meu. Trêmulo como meu pai, via o título embaçando nas minhas vistas: Ensaio sobre a cegueira. Brincadeira tem hora, pois!
Mas valeu de tanto que queria ter recebido.