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sábado, 20 de novembro de 2010








O jardim francês - publicado na @ Tribuna Piracicabana em 20/11/10


Conheceram-se num jardim, na adolescência. Eram bancos entremeados de chafarizes, estatuas e os deuses do amor, sem cerca ou portão, que impedisse a visão ou acesso. Era público e aconchegante, de muito espaço o jardim do primeiro beijo.
Não se casaram, como dois pássaros fizeram o ninho num lugar escuso, na garagem dos pais dela, ao lado do jardim francês, numa cama de solteiro, onde mal cabiam seus corpos e nos corpos em que mal cabiam de felizes.
Na primeira noite perceberam um furo no teto, mas longe da cama, por onde o luar da cheia espraiava-se sobre o piso trincado na marca da mancha limpa, e no ar o halo bonito de uma noite de leve candura. Lá fora, do outro lado da meia-noite, assobios dos passantes defronte a velha garagem com algumas peças desmontadas de carro pelo chão e na parede uma bicicleta inclinada num gancho. A viatura da policia passou com a sirene ligada, sumindo na noite; um velhinho costumava tocar a bengala pelas reentrâncias da porta metálica, como um teclado irritadiço – mal sabia que havia gente lá. A menina virava-se por sobre o companheiro e dava graças a Deus quando ouvia o velhinho ao longe, numa tosse e tóc-tóc na esquina. De repente descia uma bicicleta de breque puxado, uma moto acelera e derrapa, um homem desce assobiando e de mochila nas costas, pensa – é o guarda da fábrica ao lado.
No segundo dia choveu. A lua não deu as caras. As penumbras de caixas e coisas empilhadas ao lado, fazia os jovens assemelhados ao descaso. A goteira do teto era constante, escorrendo pelo corredor contínuo até o portãozinho baixo, atrás de uma espinheira. Sabia que além tinha o jardim, por onde podia o ver úmido e breve sob as luzes redondas de postes antigos.
Nos dias seguintes, a insônia fazia a menina perambular pelo jardim, fora da garagem do pai. As flores estavam esplêndidas com a chuva da noite e o sol matutino derrubava ainda algumas gotinhas das folhas, num som inaudível. Mais tarde o jovem levantava e abraçava o travesseiro ainda quente, dos sonhos que a menina tinha levado para o jardim e para lá ia, acordar-se de vez. Era dia. Na noite seguinte o pai levantou a porta da garagem e os encontrou dormindo lá, nus. Cassou a permissão deles e que se virassem por outro local, lá não. Antes nada era proibido. Se não fosse o jardim não se conheceriam e a garagem seria mais um depósito de coisas.

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