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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 26 de março de 2011

O texto de hoje é uma homenagem ao meu irmão Luís Carlos Quartarollo, repórter e blogueiro da jovem pan no http://blogs.jovempan.uol.com.br/quartarollo/
Muitas outras histórias dele tenho e que ele mesmo não escreve por modéstia, tem uma extensa coleção de casos futebolísticos, históricos e engraçados nesse entremeio de profissionais de rádio, TV e campo. Contou-me que sua primeira entrevista com o presidente da CBF foi por acaso. (Talvez ele mesmo comente ou desminta) Todos os repórteres estavam impedidos pela segurança, homens de metralhadoras aos empurrões abriam caminho ao candidato e o protegiam na eleição e o Luís ficou no "meio do tiroteio", perdido, inexperiente e então o fio da microfone (não havia microfones sem fio ainda) enroscou no pé do homem - por que? Botou o microfone na boca do homem e fez a pergunta proibida. É essa a função do repórter, perguntar o que não temos coragem, mas queremos saber. Luís se aventure na literatura, afinal, os melhores escritores eram também jornalistas. Abraço manos.
Agradecimento pelo acessos a este blog e pela procura de O Seminário. Como pequeno escritor estou feliz de na primeira semana de vender os primeiros cem exemplares. Os que quiserem me contactem e adquiram O Seminário. O blogueiro



Filho de caipira
A família mudou-se para a cidade. A carroça ficou encostada, empinada com os varões presos no teto do rancho, o cavalo corria num pasto improvisado. A meninada jogava bola na rua. A mãe, às voltas com roupa no tanque e comida no fogão, mandava o menino aqui e acolá depois de muitos conselhos e cuidados. Cidade é perigosa, não dê confiança a estranhos, volte logo para casa, não mostre o dinheiro para as pessoas.
Calça e camisa do pai ajustadas ao seu corpo a golpes de agulhas e talhes de tesoura pela mãe. Calçados? Os pés iam descalços pelo asfalto quente. Parecia um jeca, pelo corpo franzino e roupas de adulto, o apelidaram de Mazzaropi; para o pai Carlitos, com certo despeito pelo esperto. Manhê, o vizinho veste short e camiseta de menino e eu não. Tem bola de jogar e eu não! Ele é rico, justificava-se a mãe e continuava a arear o alumínio silente. Os presentes de natal da avó eram repassados até a sua vez, assim também se passavam roupas e brinquedos de filho a filho. Ah, se tivesse ao menos uma bola de borracha, os meninos iam respeitá-lo!
As brincadeiras eram as peladas de rua e dependia da vontade do dono da bola. Os pais o matricularam na escola, tinha de ir e deixar os meninos jogando sem ele. Era o melhor do time, achava-se, fazia gols, defendia, um pelé. O pai foi taxativo – você vai para a escola. Mas não sabia onde ficava isso “seu irmão mais velho te leva”. Leva? Sim, subiu com esforço numa bicicleta maior que ele com medo de machucar os pés nos raios da roda. O irmão escorado na parede e sentado a condutor com as mãos no guidão ajeitou a magrela, quando viu que o carona estava em cima pedalou. O menino foi de pernas abertas sentindo o movimento sem controle, esperando pelo tombo, ziguezagueou, mas foi.
Em casa o pai sossegou e já via o capiauzinho na carteira de escola. Começou a fazer alguns elogios ao menino já que não estava ali para ouvir, mas de repente, falando dele, apareceu. Voltara? “Sim, ara! Fiquei lá e ninguém me deu atenção, não conheço ninguém.”
Quem ia ligar para um jeca, um mazzaroppi?! O pai conformou-se, pelo menos aprendera o caminho de volta. No dia seguinte foi sozinho. Já velhinho o pai recebeu um presente especial, uma bola assinada pelo próprio Pelé. Onde conseguiu? Eu o entrevistei, pai. Sou repórter, esqueceu?!


Publicado hoje, 26/3/11 no jornal A Tribuna Piracicabana

sábado, 19 de março de 2011



O texto de hoje do blog é travesso - não é ssssério - veja abaixo Ato de fé, e dedico a um amigo, Cláudio, muito fervoroso e brincalhão.

Divulgação: Como veem as imagens laterais, a da esquerda é do selo do cardeal Francesco Todeschini Picolomini e a da direita é de O Seminário, meu livro recente.
Semelhança? Ambos temos sangue Todeschini, eu por parte de mãe.
Explicação da capa: Muitas versões e facetas, inclusive bizarras e contrárias de uma realidade. Todas podem ser lidas, de muitos ângulos e formas. O início de O Seminário intercala-se com o meio e o fim, que alinhava com outros capítulos antecedentes, será que termina? Leia o que lhe preparei. Um abraço a todos.

Ato de fé
Me ligou de Mombuca, cedinho:
- O cê num vai? Os peregrinos vão sair às 10:00. Eu sabia que o cê num ia. O cê é um escrivinhador enviesado, de pastiche. Nem um ato de fé, porisso que nem livro o cê vende mais.
Bateu o fone no gancho e eu não pude revidar, nem dormir. O Cláudio extrapolou. Essa última frase doeu, ia tirar satisfação com ele lá em Mombuca e de caminhada é que não tenho medo, já calanguei muito por essas matas. Peguei a mochila, alguns pertences. Até Pirapora iria cantando, depois de dar uns bofetes naquele descarado devoto.
Cheguei à Mombuca, na igrejinha o padre sonolento abençoava os caminhantes. Fiquei na porta, segurando o boné por respeito e procurando o infeliz lá no meio. Não o vi. Foram saindo pessoas e nada de Cláudio. Com certeza fora-se com a outra turma.
Em princípio eu ia somente até Mombuca dar uma coça nele, dizer-lhes umas poucas e boas, mas tive de ir com os outros. Cortamos colinas, campos e vales – aquele povo não me deixava pôr a mão em nada, nem em jabuticaba, nem laranja de algum pomar de beira e ainda cumprimentavam aqueles caminhões fumacentos. À noite um velho rouco puxava o rosário e eu, religioso morno, fingia rezar com eles. De manhã soubemos de um acidente feio com a turma da frente. Pela descrição o caminhão atropelou o Claudio. O velho emendou que era mais um santo no céu. Meu Deus! E agora? Será que foi pela minha raiva!? E de uma hora para outra a raiva desvaneceu-se, pobre Cláudio...
Assim, com pesar e bolhas nos pés chegamos à Pirapora. Isso doía mais que o telefonema maroto do meu amigo. Ajoelhei-me como os outros. Quê alívio, meus pés descansavam. Fiquei em oração agora, de fingir já aprendera a meditar e valorizava esta introspecção, quando tive uma visão. Era um sinal, mortos voltam para avisar. Pois ali estava de paletó listrado, barbeado e botina brilhando, sem uma fratura, o Claudio. Aproximei-me com respeito e ele riu:
- o cê veio memo, rapai!
-...
- Eu ia trazê o cê de carro, tonto, pra que vim a pé? Qué vortá cumigo?
- Rrrr... não, vou aproveitar e vou até Aparecida.
O falso santo riu:
- Num precisa exagerá, meno. Sacrifício demai o santo desconfia.
(publicado n@ A Tribuna Piracicabana em 19/03/11)

sábado, 12 de março de 2011



Amigos, o texto de hoje não é fúnebre não. É uma brincadeira de bom gosto. Todavia, ter pai acamado mexe com o nosso psicológico.
Dou umas dicas de leituras também. Leiam o clássico Charles Dickens, estou lendo Histórias de fantasmas, dele. Para quem gosta de uma boa literatura, a qual vc entra no texto do século XIX. Charles Dickens é criador de personagens memoráveis da época triste da revolução industrial na Inglaterra, cujas construções repercutem a vida dura que teve, inclusive com a prisão do próprio pai por dívida. Mas nada disso, impediu, ao contrário, deu vigor à sua obra.
O blogueiro

Morte aparente


Invadiu a casa pelo corredor, sorrateira, desarmada, mas no final a luz da sala acesa e aquele dispositivo supersônico a tonteou. Caiu ferida, abriu a boca, não conseguia pronunciar som algum. Estrebuchou um pouco, aqueles tremeliques de agonia. O casal agressor acompanha a sua morte em câmera lenta, vendo-a arrastar-se, sem clemência. O fato de ser invasora os fazia inocentes. Fizeram-na cheirar um spray amargo que a tonteava de vez e que lhe amortecia a língua e todo o resto. Em seguida o silêncio. Isso lhe deu uma morte aparente. Para os algozes, matadores em série de sua família, se a vítima torturada aparentasse morta, desinteressavam-se.
Horas se passaram até que se ouviram vários estampidos na cozinha, estouros como tiros. O homem levantou-se, passou sobre ela estirada e foi ver. A pipoca já estava pronta, avisou a mulher. Enquanto a vítima jazia no corredor, eles viam TV com pipoca. O vento amenizou o calor e o cheiro do veneno. Podia tentar uma saída, se ficasse em pé ao menos – mas sem chamar a atenção dos dois. Foi abrindo os olhos e no três deu o impulso frenético do tudo ou nada. A mulher viu a tentativa frustrada – ela tá viva, marido! Este veio derrubando pipocas e bufando. Quem lhe dera o direito de espernear! Era louco ele, batia o pé feito um demente, a sua fêmea instruía, sádica, odienta: mate ela, mate ela; aqui não, lá fora. O gordo de cuecas, pula e corre pelo corredor, a mulher com o lança-spray. A barata (era uma barata, viu) corria contra o vento e o spray venenoso não a intoxicava, era a morte clemente que queriam dar ao inseto sem sujar o piso. O homem estava como vaca num atoleiro, não a pegava, até que a mulher tirou o tamanco e a barata se rendeu num canto. À espera do golpe fatal, olhou para os olhos da fêmea humana e disse:
- Mate ela ou mate-a, heim?
E antes da resposta embrenhou-se novamente num livro velho de gramática e morreu nas entrelinhas.

sábado, 5 de março de 2011


Sobre o texto do blog: Vc tem celular? Tá ligado?!

Sugestão:
Leiam, se puderem, A arte da Ficção de David Lodge. Li e aprendi muito. Leiam também, o artigo de Walter Leandro Guarda, se não tiver o jornal físico, acessem a tribuna virtual http://www.tribunatp.com.br/.

Divulgação:
De meu primo Tadeu Possato, professor de italiano há vinte anos, várias viagens à Itália para cursos e aprimoramento do idioma italiano e trabalhou por lá. Fez atualização na universidade de Perugia. Atua dando aulas personalizadas (individuais) ou em trio. Aula demonstrativa gratuita. Se interessar-se ligue para ele: xx (19) 3402-7986 e Cel. 9113-7333

Tá ligado?
Na guerra fria o presidente dos Estados Unidos tinha um telefone vermelho para falar direto, da Casa Branca com o Kremlin. Na era anticomunista, ligava-se o fonema kremlin a crime. Ainda hoje dizem que em caso de guerra este super-homem americano, o presidente tem a senha e uma pasta que, de onde estiver, de seu helicóptero presidencial ou da sua piscina quente, pode acionar o armamento nuclear de defesa contra o país agressor. Assim também se fizeram várias bases em territórios estratégicos, em países mais ou menos amigos e cujos governos são protegidos dos EUA.
Os telefones começaram como grande invento para ligar pessoas desde Graham Bell, li na coluna do Rontani. Hoje serve para tudo, inclusive para ligar pessoas. A interjeição inicial é alô, um derivativo de “Hello” americano, o portuga lá de Lisboa diz “stálá?”, antes que o patrício responda. Com os celulares a coisa mudou. Não tem mais a introdução de alô ou coisa que o valha, vai-se direto ao assunto. O nego está na fila do banco, na igreja, no carro, no alto do Himalaia, toca o bichinho quadrado (tem de formatos personalizados também) e a musiquinha do remetente e ele diz: ãh, pó fala, tô aqui. Isso, isso... Quando se enche do amigo do outro lado do mundo, esquiva-se com alguma desculpa do tipo “depois te retorno”. O celular se tornou mais importante que as pessoas e muitos acham que ele é a própria vida deles. “Te retorno em uma hora” podem ser em dias, depois de uma desculpa ou nunca mais, sem desculpa. A namorada pergunta logo o número, se não tiver celular, tem de se inventar um, emprestar ou... até roubam. Tornou-se um símbolo fálico, de poder, de liberdade, de desprezo.
Este domingo, ao passar pelos canais de TV, vi na praça São Pedro o papa que abençoava o povo, traduzido por um locutor fanhoso. Nem prestei muita atenção naquele elevar de mãos e risinho oportuno, mas no final ele apontou para a multidão seu indicador. Com aquela voz rangida e com o dedo em riste mandou um “abrrraço” a alguém que estava lá embaixo. Pensei ter visto um celular na mão esquerda do papa. Celular personalizado de Sua Santidade, imaginem só! Todinho púrpura! Se o presidente americano usava o telefone vermelho para falar com o Kremlin, o papa anda falando com? Talvez com...(!) Hum... tá cortando a voz... grazie...
Chi, acabou o meu crédito... (você não achou que ele falaria com Deus, pensou?)
- Publicado hoje n@ A tribuna Piracicabana