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sábado, 25 de junho de 2011

Espero que apreciem o texto abaixo e acessem também meu novo blog de crítica literária o http://www.camilotextos.blogspot.com/ e o da Luzia http://www.literarteluziastocco.blogspot.com/


Faces da Vida (Avô paterno - na foto com minha prima Heleninha) - texto de 2008
Hoje senti o cheiro do creme de barbear que meu avô usava, veio-me a imagem dele em frente ao espelho (este que ora uso), a troçar do neto quando me via e espumava-me o rosto liso ainda imberbe com o creme de barbear que eu arredava pelo friozinho nas bochechas - ele ria. Deparava naquele altar pessoal dele, o via espumar o rosto todo e reclinar a navalha com mestria e cuidado, pois o fio da navalha era afiadíssimo. Depois com a tesoura retocava o bigode. Olhava garboso e se via como um narciso. Eu em criança ainda o temia, era uma figura por vezes calada, silenciosa, sinistra com aquele chapéu e óculos que lhe escondiam a alma. A alma do espelho? Sei lá? A tristeza lhe rondava por vezes, a insatisfação também. Hoje me vejo calvo como ele e assusto-me com certos cacoetes que o lembram em mim. Apesar de morto há muitos anos, parece que ainda vive, porém não esconde mais sua alma, não me dá mais medo, não me é mais desconhecido.
À noite era o terço, não via televisão. Perambulava pela casa e quintal com as contas das ave-marias. Depois de andar sentava-se numa cadeira a sós, com um paletó preto sobre os ombros e chapéu para proteger-se da friagem e com as suas orações eram dirigidas ao além, nos sons de “pschi-pschi”que iam escapavam dos lábios débeis, tal um suplicante, qual um grilo na noite. Eram até incômodos para alguns, mas para mim era o nono rezando. O encanto de sua oração era-me as palavras segredadas aos ouvidos de Deus ou entidade sagrada, as quais eram um devoto convicto e um “sacerdote” de fé. Era católico de alguns santos preferenciais como o seu onomástico Santo Antonio. Ao orar sentado na cama, seus olhos andavam muitas léguas além, não me via, mas sabia que eu estava ali, um menino, a família em miniatura. Não arredava pé das contas e incomodava-se cruzando os pés descalços sobre o tapete. Gostava de vê-lo descalço, como um sinal que não ia arredar pé da minha presença em sua calma. Por vez, até parava a sua conta e perguntava se eu não queria rezar "tamém". Não aquelas orações difíceis, eram muito longas e aquele trabalho todo era coisa para adulto de testas franzidas e rugosas. Não conseguiria tanto sacrifício. Ia-me embora.
Eu gostava de algumas histórias italianas que contava e que ouviu não sei de quem, mas que, infelizmente, já se misturaram com outras das quais não me lembro. As orações em italiano, não as de Igreja, algumas que aprendeu tradicionalmente e se propunha a ensinar. Eram orações “fortes”, de proteção. Talvez fossem estas que falava baixinho com seus “pchius”, cujos movimentos labiais eu percebia. Estava rezando.
Tivera fama de mulherengo; se o era, cultivava igualmente a de santidade católica. Cria em milagres, em compromissos com Deus e com os santos. Os domingos eram sagrados para missa e tinha uma foto de sua passagem por Aparecida do Norte na parede com a santa nas mãos, solene e despido de seu chapéu, devoto. Ao chegar a casa, no cabide descansava o chapéu como um encaixe. Sabia-se pelo cabide se estava, ou não. Ao “tentar suicídio” num acesso de raiva que tinha, depois de muito falar e gesticular ao rubro – fazia dramalhão, era um italiano colérico, via-se – me passou o chapéu. “Por quê? Fazer o que com ele, nono?”, perguntei. “Prá num moiá, que hoje eu me apincho no rio, te digo”. Passado o acesso de ira, voltava à calma, tal qual uma moça, andava lento, calmo e sorria atrás de seus bigodes grossos, compreensivamente, aceitava a vida outra vez. As contradições davam-lhe alguma trégua em seus humores.

Quando morreu, depois de quinze dias de um derrame cerebral, acalmou-se e morreu sereno, o que vinha pedindo, a intercessão de “Jesú que o buscasse”, sentia-se muito velho. Não tinha mais amigos, a família crescera, dispersara-se e os próximos se distanciavam com os seus compromissos - as histórias de príncipes não eram mais interessantes às crianças com TV e videogame, nem os velhos como ele gostavam das ditas histórias de um reino distante e misterioso. Voltou a eles.

2 comentários:

  1. Me emocionou muito a história q conta de seu avô...não é segredo e sempre digo q nasci na epoca errada, ou melhor gostaria de ter vivido numa epoca em q se tinha prazer em contar boas histórias, onde crianças eram realmente crianças e não haviam entretenimentos mais gostosos do q subir comer frutas no pé e dava-se valor a familia. Creio q suas lembranças t trazem um misto de saudade de td o q ja se foi e pena dessa geração q sequer consegue entender o q eles jamais terão. Otimo fds! beijo, Vivi Rosada

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  2. É muito bom reconhecer a importância dos relacionamentos familiares; infelizmente muitos só o fazem quando sentem de algum a falta definitiva.
    Lições que nos lembra esse texto encantador.

    Felicidades, Camilo!

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