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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 2 de julho de 2011

Vejam também texto de crítica literária As três lágrimas e uma interpretação no outro blog meu, o www.camilotextos.blogspot.com.

Há muitas recordações deste frei que inspirou a personagem frei Dulcino, uma delas é a que narro a seguir.


Andanças de frei Dulcino (personagem de O Seminário)
Quem pensa que frei é um religioso austero de hábito marrom e velho, com um terçinho do lado e barba pendurada no cavanhaque, enganou-se. Este não é frei Dulcino. O estilo do homem é outro, é frade por acaso. Ele mesmo confessava isso. Foi estudar num seminário e ato contínuo já era frade, mas assim que a Igreja permitiu, voltou a se chamar com o nome de família. O de ordem era Athanásio e este por Dulcino não surtiu diferença, a não ser para o próprio frade que recuperou suas raízes. O nome de religioso (frei Athanásio) lhe gerara apelidos que nem a Igreja pôde abolir, como a derivação deste para frei satanás – tomavam de gracejo pelo seu aspecto corpulento e modos estabanados a inimigo de Jesus e riam.
Eu era estudante recente da ordem franciscana, a biblioteca estava em reformas, estantes de livros em arrumação. Fui entrando para ver as obras, o conhecimento é algo que fascinava, aliás, este saber do livro tem certo glamour, algum mistério, hermetismo alquímico. Zanzei arrastando os pés pelo assoalho de madeira, o silêncio fazia devanear e esculpir um espaço meu, o “dono” de tantos livros, as janelas abertas faziam-me temer que alguma ave viesse e sujasse as obras, mas o vento aliviava o cheiro quente destes objetos quadrados e sagrados, livros. Andei a esmo, tinha todo o tempo do mundo para escolher, sabia que não leria todos – era isso que eu queria! Então, como criança, ia escolher um doce só, que meus olhos podiam ler, algum hermético. Tirava da estante, olhava o nome no dorso, balançava, via o peso, lia o prefácio e voltava para algum dia, talvez.
Cansei de todos os volumes, biblioteca são todas iguais e as de freis são poeirentas. Ia-me embora, quando me deparei com um homem de vestes leigas e óculos encavalados numa leitura desengonçada. Sentava-se sobre um banco improvisado de livros e lia outro. Frei Dulcino! Deu-me pouca atenção, ou melhor, nenhuma. Voltou a cabeça dentro do livro. Pigarreou e virou de página. Bem não era um prato que ia comer à sós.
- O cê viu esse daqui?
- Não.
Deu uma risada duvidosa, voltou algumas folhas, correu os olhos em alguns parágrafos já marcados por outros e disse “vamos almoçar” e com peso de dúvida e fé, rindo, incógnito, disse:
- Acho que vou ser agnóstico. Esotérico...
(Na época, isso podia ser interpretado como alienação ou incoerência com os próprios princípios
)

2 comentários:

  1. Hei, Camilo, esse frei é uma figura muito simpática, interessante! Gostei. :)
    E vamos nós tentar passar pra próxima fase do Mapa Cultural. Tem muita gente boa no nosso time. Estou torcendo pra algum de nós conseguir. Bom mesmo seria se todos passássemos e fizéssemos uma invasão literária piracicabana.
    Abraço!

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  2. Jeito interessante essa sua apresentação aos livros. Dificilmente se imaginaria que alguém assim se voltaria para os livros, tanto a ponto de vir a escrever tão bem. E o frei, encantador!

    Abraços, amigo!

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