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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ossos do ofício

Eu participo de concursos de crônicas e contos por aí, mas ainda não logrei nenhum êxito em ser o premiado. Por certo devo me apurar e, como diz minha esposa, mandar as boas - estas eu deixo para o blog e jornais; todavia, hoje posto uma que foi a perdedora, mas o barnabé também é. Vocês podem encomendar as críticas que acharem devidas, tendo em vista que não conheço as dos jurados e os amigos sempre elogiam para não me perder. Na verdade, fiquei com um pouco de dor de cotovelo e aproveito para parabenizar os ganhadores, inclusive, quem?... minha esposa mesma. Bananas, me passou a perna, rsrsrs. O blog dela é www.literarteluziastoco@blogspot.com e outra ganhadora de Piracicaba é nada menos que Carla Ceres e seu blog é www.carlaceres.blogspot.com - algo além dos livros, com postagens excelentes.

Mas primeiro leiam o meu, tá.




“Bom-dia!” Barnabé estava condicionado pelo programa de vendas que fez. O espelho do corredor respondeu com a imagem de sempre. Testava em si a reação dos clientes. A esposa lá na cozinha o vigiava com o bule de café na mão. Aquele dia ia ser de devorar mais um leão, como diz o povo. O salário da repartição não lhes era suficiente, os filhos que ora dormiam na madrugada, cresciam e demandavam novos gastos e o Estado foi lhe arrochando o nó da gravata até esgoelar um mísero salário e um sorriso falso, pela decepção que não podia expor. Sim, fazia bicos.
Para um vendedor de enciclopédias tinha de ser alegre, entusiasta, não aquele sinistro homem de óculos grossos, de paletó e gravata, que punha termos em papéis públicos. Vendedor de porta em porta, de preferência as que não tinham olho mágico. Às vezes, as portas se abriam e saía o cachorro latindo na frente e o dono ficava só com a cara na porta. Tinha de convencer a ambos que tinha um bom negócio. De longe mesmo exibia o produto, mesmo entre grades, ia folheando as grossas páginas e mostrando as vantagens ao filho do cliente. Não tem filho, é! Mas este produto é um excelente para presentear a um sobrinho, a um amigo e são os últimos exemplares nesse preço.
Dessa vez não deu e, mesmo não vendendo, Barnabé fechou a maleta com um sorriso amarelo escondendo os dentes, tinha de manter portas abertas para negócios futuros. Mas se pedisse um copo d’água, mostrar-se inferior, que precisava vender. Rebaixar-se?! Não, essa era a pior imagem que podia dar a um cliente. Tinha de pensar rápido, porque o homem na porta impacientava, mesmo fingindo bonomia. Deu algumas tossidinhas seca e...quase trocara o nome desse cliente (o nome é importante, principalmente o próprio), mas o homem não ouviu, ou fingira não ouvir? Por fim, de tímido, sobrou a Barnabé um aceno entre os latidos do cachorro. O cliente em potencial bateu a porta e recolheu-se. Via-o pela porta de vidro, dando-lhe as costas. Naquele sol já quente da manhã, não vendera nada ainda e aquele figurão de pijamas (só podia estar) atrás daquela porta de vidro, a transparecer indiferença. Naquela rua já batera em todas as portas, sempre com o mesmo sorriso e bom-dia e quinze portas depois a do homem que lhe fechou a sua e última. Deus fecha uma porta e abre duas, dizia a sua mãe a consolo de contrariedades. A doce mãe que falecera com orgulho de ter um filho no governo, mal sabia que era um contínuo. Se soubesse! No bar, Barnabé até se fazia de bem com seus iguais. Depois da primeira latinha tudo era uma maravilha, fazia questão de passar lá com a roupa de trabalho, as pessoas lhe perguntavam coisas. Quando não sabia, dizia que era sigilo funcional o que aguçava a importância, se insistissem repetia alguns termos, entre goles, que nem ele entendia e o desentendido convencia-se pelo vício – dá mais uma aí.
Ah, o nome do homem, do cliente! Lembrou, podia apertar novamente a campainha. O fez. De dentro veio alguém, contrariado ao vê-lo novamente. “Alberto, o senhor esqueceu o cachorro pra fora!” Enquanto balançava a maleta e o dono o agradecia contrariado, o cachorro não arredava pé dos livros. Casa que tem cachorro sempre vende, os ossinhos para cães os atiça... “Tenho um livro de algumas dicas de como adestrar cães, Alberto”. Vendeu. Ossos do ofício.

(As perdas é que enriquecem minhas crônicas, ahahahahah)

2 comentários:

  1. Não perca as esperanças, Camilo... Afinal... são "Ossos do Ofício" e como gentleman você cedeu lugar à Luzia e à Carla! Parabéns às duas!
    Célia.

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  2. Não, elas conseguiram por mérito e cada um tem seu próprio; uns são mais apropriados e numa escolha prevalece uma visão de alguém de fora, do jurado, objetiva. Claro, que levo numa boa e também fui jurado e sei como é escolher, vc tem um critério para escolher e escolhe - quando fui jurado deixei críticas, observações sobre os textos em geral para a comissão. Abç pela sempre atenção a este espaço, Célia.
    blogueiro

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