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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O criador de tramelas

Amigos, essa crônica é antiga, mas quem não leu ainda dê sua nota, comentando. Achei interessante republicá-la agora com mais seguidores. Abç. O blogueiro.
O criador de tramelas
A forma perfeita é a circular. O melhor designer, a beleza é redonda. A perfeição é o círculo, diz o padre Vieira, embora eu ache que seja a espiral. Mas vamos às tramelas do seu João. O homem sabia fazer tudo em madeira. Os desenhos da prancheta, por vezes, deixados de lado com um chá frio e uma bandeja de migalhas de pão, dava lugar a um projeto pessoal de íntima relação com a matéria bruta. Ia fazendo sem esboço, conforme a mente e os acidentes propiciavam a obra. Criações inimagináveis em designer arrojados e apreciados pelas pessoas modernas e ricas. Gostavam e pronto, compravam. Gênio simples e rude, seu João arriscava sua criatividade ao acaso, para ele o Universo fazia as formas do sucesso e um dia ganharia muito dinheiro. O dinheiro viria e juntaria a rodo, um pau de pegar água nos cantos que desenvolvera de forma ao seu gosto. Desenvolvera cabos de facas, bengalas, tudo personalizado. Ficava por dias em trabalho de criação, até que algum fato inusitado viesse a lhe dar a luz, como um Buda sob a figueira, esperava a Iluminação, o insight. Seu trabalho era arte, não artesanato, fazia-o sob encomenda e como Deus, não se repetia.
E foi assim com as tramelas encomendadas. O comprador, fazendeiro rico, queria tramelas personalizadas para a sua fazenda. Não aquela madeira retangular e verde pregada ao batente e que mantinha as galinhas fora da cozinha na porta de serventia ao quintal, nem as que serviam para manter as janelas rudes no seu lugar em dia de vento, mas algo diferente, que não sabia o que era e para isso contratara os serviços de seu João.
Seu João pensava e testava todas as idéias. Reconstituía em seu laboratório a porta, a janela e testava as tramelas. Foram dias, meses, sem sair de lá, num contínuo de tempo eterno, sagrado. A esposa estava se cansando de ver o marido naquele trabalho, exausto sem nada produzir, sem comer e beber. Era uma compulsão. Nova forma, um novo desenho na prancheta, marcas da ponta do compasso, lápis com ponta quebrada e riscos na própria mesa, era o impulso de ira a cada fracasso. Quebrava compasso, lápis, souvenires. Esmurrava a mesa impiedosamente. O temor da esposa, a cada visita ao ateliê, de se ouvir o pam-pam na mesa pelos murros da insistência de seu João. A presença da mulher o incomodava, tirava-lhe a concentração e o trazia à rotina cansativa daquele olhar meigo com sua travessa de biscoito caseiro e o bule fumegante do chá da tarde. E nada de sair sua criatividade embotada. Numa destas visitas atingiu com um murro a tramela redonda na porta-teste. Metade caiu e metade ficou fixa no batente. Um golpe de sorte. Estava resolvido o problema. A porta abriu-se no espaço do meio círculo vazio. Óbvio demais, solução advinda do acaso, de um acesso de raiva, essa era a idéia que o Universo lhe dava, o vazio lhe dera a solução, os dois lados do Tao, yin e yang. Refez o desenho, por peso e medida e um formato que propiciava abrir com resolução integrada, a prática e a beleza, de forma simples e registrou sua patente. A tramela abria e fechava com um pequeno deslocamento de contrapeso de adorno num dos cantos, que voltava ao repouso depois de a porta aberta ou fechada. Genial, gritaram ambos. Bonito, simples e lúdico! Tomou o chá e comeu os biscoitos, pensativo na consecução da obra. O modelo em série. Era só seguir o fluxo do acaso criativo até o colapso da ordem cósmica e da criação da obra: a tramela adornada.
Passados dias o dono da encomenda veio buscar as tramelas. Não estavam prontas. O homem passou pela porta aberta por uma bela tramela dourada. A esposa de seu João o recebeu. O marido veio depois e cumprimentou o visitante com a mão esquerda. A outra estava dolorida e
inchada, atingida por muitas tramelas. Ainda não terminara a sua obra, o mercado que esperasse. Não especulava com a sua criatividade e talvez nem as vendesse, eram de muito apreço.
Se você não gosta de portas de tramela, tudo bem. Mas se gostar de ler, nós estamos divulgando o nosso livro recente As ciladas do , ficção científica com jeito caipira, o conto se passa aqui na terrinha de Piracicaba. O valor de capa é 15,00, vc me passa o endereço no e-mail quartarollo.camilo@gmail.com , eu mando o exemplar autografado e me reembolsa quando puder.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Amigos, grato pelos acessos. Hoje posto foto de goiabeira, mas sem cor, a goiaba pode ser da cor que quiserem, branca ou vermelha, aqui no blog somente achei uma foto preto e branco. Já sei, vou colorir as letras do texto. Abç, deixe seu recadinho em forma de comentário.
O blogueiro persistente.
Goiabeiras
Goiabas de beira, pelo caminho surgem essas árvores rudes, num cheiro de quina, de esquina, as goiabeiras. Fortes árvores, de duro corte e de assombrosa formosura. Foram dias vendo goiabas caídas no cheiro da rua. A doce goiaba, inúmeras delas, que sujam quintais. E no escolhe-escolhe o bicho sempre aparece antes, se não viu... É notório entre os humanos que as goiabas – todas - possuem bichos e nas goiabeiras tanto existem goiabas como bichos, mas elas resistem firmes com seus bichos e tudo. Tenho as visto e sentido seu cheiro e mesmo desviando meus passos de cima de alguma caída, tenho certa atração a este pomar urbano. Tenta-me colher tal fruto de alguma goiabeira de morador desconhecido a perder-se pela calçada. O cheiro de goiaba dá uma sensação de estar em outro plano da existência, num mundo em que esse aroma nos incensa com o bafo da natureza silvestre. A abundância de frutos forra chãos, como vício, desperdício, menosprezo. As goiabas rolam ruas e chão abaixo, espatifam sob pés e rodas e as que sobram jazem na beira, carcomidas pelos próprios bichos – talvez sejam as filhas pródigas da natureza. Suas vísceras apetitosas, ao olhar pelo menos, ora brancas, ora avermelhadas, confundem entre sementes duras aos dentes e bichos brancos e moles. Cheirei, apreciei com água na boca, mas não comi não. Era assim enquanto durou sua estação, mas já não se veem as goiabeiras com frutos. No chão as goiabas batidas, disformes, bichadas, primícias intocadas, não colhidas pelo homem – pelos animais sim, morcegos, pássaros disputam deste festim dos bichos. Não sei se foi criado ao humano, aos pássaros, ou aos bigatos, porque sempre tem um se mexendo depois da primeira mordida, mas não mordi não. Há um cheiro de não sei o que, é agridoce talvez, um doce decomposto, algo saboroso que não se comeu, nem mais se pode, talvez um azedo açucarado e que vai compor o húmus do solo ou à pazinha da lixeira. Triste cena de dúbia condição, ambígua e exclusiva. Odeio goiabas. Sem bichos estão verdes, se maduras os bichos nelas estão, odeio goiabas porque me tiram o gosto de comê-las; só se presta se colhida com esmero, muito cuidado, apenas em ramo do ano que floriu e da que desenvolveu melhor, mas é tarde - já passou a estação das maravilhosas goiabeiras. Hum, odeio goiabas! E você?
Ah? Quem não adquiriu, ainda temos exemplares do As ciladassss do , acessem-nos e peça pelo e-mail camilo.i@ig.com.br Postamos e vc nos deposita quando e puder.
Abç~~~~ãooooo.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Lázaro, não!

Amigos, grato pelos acessos e comentários nesta página ou por e-mail. Saudações à Patuá e ao amigo Eduardo com quem estivemos nesta semana. A editora lança escritores novos, publica sem custo a estes e revela bons escritores. Grato aos amigos, às pessoas que conheci vendendo e autografando o meu livro As ciladas do , na rua, sob uma marquise, em algum estabelecimento ou num gesto de oi. O texto postado hoje é uma brincadeira que faço na literatura, tentando não aborrecer os padrões de fé de ninguém. Curtam!
Lázaro, não!
Esta história não faz parte dos sinópticos e nem dos apócrifos, o evangelho diz somente após a ressurreição de Lázaro: saiu o que estivera morto. O que ocorrera dentro da tumba ninguém sabia, pelo menos até agora, para isso vou apresentar a esposa de Lázaro, é, mas é somente nesta página de minhas elucubrações. Casou-se lá pelas bandas de Cafarnaum, vizinho de Jesus e não conseguiu aprender o ofício da carpintaria. Adolescente revoltado, tentou alistar-se com os Zelotas (guerrilheiros que atacavam o exército romano) e não foi aceito. Na sinagoga não conseguiu nenhum assento e sua capacidade de concentração e meditação era insuficiente. Quis fazer carreira política com Pilatos, mas não suportava as perguntas sobre filosofia grega e, além disso, sangue era o de que mais os romanos gostavam, eram sádicos, ladrões... Voltou à vida simples da Galileia onde morava um jovem de inteligência pródiga e que também não conseguia
ingressar em nenhuma organização ou facção da época, Jesus. Lázaro uma pessoa de muitas frustrações e de sonhos abundantes - mas como homem não conseguiria fazer como Deus, através da palavra “faça-se” do Gênesis. Foi seguindo os passos da vida, adolescente, noivado, casamento e talvez filhos. Não consta que tinha prole, mas esposa quase todo mundo tem. A amizade com Jesus era notória e reciproca, a existência de duas irmãs também, a esposa aparece somente aqui neste texto que lanço aos incrédulos. Vou descrever a esposa que arranjei para Lázaro. Cuidadosa, sabia dos problemas afetos ao esposo que vivia doente, com tosses e moleza nas pernas, tomava chás e tinha um fígado que repugnava o vinho, mesmo com a presença do mestre, que, com poder para curar, foi deixando a doença ao enfermiço, porque as doenças dele eram em grande parte psicossomáticas ou do espírito, como queiram, assim o ciúme, as frustrações, os sonhos grandiosos e o ódio aos Zelotas e aos romanos lhe deram muitas úlceras e gripes. A esposa não suportava mais colher folhas do jardim para chás e lavar os pés dele com ervas, contudo os males de Lázaro não regrediam - era só pegar um ventinho que vinha o
resfriado, com sucessivos espirros. Morreu Lázaro, Jesus andava por outras bandas e não voltou para o funeral. A esposa do morto morre de desgosto e é sepultada com ele, por ironia e para
protegê-lo talvez. Ali bem perto, os egípcios eram enterrados com os serviçais, riquezas e pessoas queridas para não irem sozinhos. Que ironia. Eu, hein! Jesus avisado da morte do amigo,
dizia que Lázaro “dorme”. Jesus disse que Lázaro “dorme”, não disse nada da esposa, se dormia ou não; mas depois disso, voltou Jesus, miudinho, e suas irmãs logo se queixaram da ausência do
mestre e este quis que abrisse a tumba e deu um grito: Lázaro vem para fora. Dentro da sepultura o morto começou a mexer-se nos panos e sentou-se, a esposa colhida pela energia divina sentou-se ao lado, Lázaro ia sair, mas:
- Lázaro, não! Pode pegar um resfriado.
Contrariado, saiu o que estivera morto.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este singelo blog, com pouca imagem e nenhum som. Tenho o grato prazer de compartilhar minha literatura e postar textos que muitos lerão nos jornais. Agradeço aos aficcionados pela leitura e aos compradores de As ciladas do , nessa semana alguns se interessaram por esta obra e solicitaram as anteriores, aquelas que a gente lança com carinho, mas devido vender pouco como escritor desconhecido volta às caixas para relançamento, quem sabe póstumo. (calma, foi exagero)
Fiquem com a leitura de um texto que fiz de um personagem que perambula pelo meio bairro e é gente boa demais.
O Pretinho morreu
Foi há uns dois meses, informou o dono incontido. O túmulo dele é lá no pau-queimado, com a foto dele e tudo, pontuou o Formidável, encerrando esta parte para não lacrimejar e depois sorveu o café que me oferecera gentilmente, várias vezes. Durou por dezesseis anos, moço!... Inda recebo cartas para ele. Tomava café aqui na padaria e gostava de sorvete de bola, eram uma, duas e chega! O limite, o cão espera na porta. Educado, adestrado não. Formidável não é o tipo de termos rebuscados ou técnicos, ele era só um companheiro. Depois que comecei a ver o dono sem o cão, percebi algo estranho. Antes ao nos encontrarmos o cumprimento de saudação e gentileza, alegre e como que dividia com o cão o encontro. Agora, vejo o meu vizinho sinistro, quase como uma silhueta e sua cabeleira branca e seus olhares são vagos, longes e sempre a intenção de não incomodar aos pedestres apressados e ocupados com um corre-corre ou, na verdade, um morre-morre, pra que pressa? Talvez o Pretinho o entendesse melhor, mesmo com seus instintos de esfomeado e afeito aos cuidados do dono. Este animal passou pela vida de um humano e o marcou tanto, que este nem quer outro animal. Por certo não o tinha para afugentar gatos ou ladrões, mas a solidão, a maldade difusa da incompreensão dos corações egoístas e maus pensamentos (cada um tem seu tempo de amadurecimento). O cão vive menos que o dono e quando o inverso, o sofrimento não tem sido menor. Há cães que continuam em vigília pelo morto por muito tempo e mesmo para sempre. Agora o Pretinho está lá, sepultado no bairro Pau-queimado, com foto e tudo, como pessoa, com sua alminha boa. E outro cão, o dono diz que não.
Dono? O termo não foi bem aplicado por mim, mas não tinha outro, leitor(a), não era bem isso, era um companheiro, uma relação de iguais, quase de humanos. Aliás, amigos, os animais não são de falar muito, não é? São de tato, de focinho, sinuosos e de se insinuarem, de alertar, de viver e de olhar. Já percebeu um cão olhando para você? Saberia dizer o que pensa? Os meus fazem belíssimas crônicas como esta, eu acho, pelo menos. Os olhos amendoados de Belinha já me trouxeram muitas coisas e não é só fome, são telepatas acho e mais sábios, porque palavras voam, papel aceita tudo, mas de um olhar é difícil fugir. Havia uma relação humana, um viver, um compromisso, um ficar com a gente. Uma humildade estampada nos gestos, um seguir o outro e a entonação costumeira de comandos simples de um caipira, lacônico e suficiente entre pessoas que se entendem. De forma, que entendo a consternação do amigo quebrantado e rejeitando o sofrimento de arrumar outro. Outro Pretinho não existe.