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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Amigos, agosto tinha fama de ser de cachorro louco. Eu nasci neste mês, mas normal, um pouco...
Espero que gostem dessa ficção, que os amigos da Tribuna Piracicabana deram um espaço hoje e posto aqui também no blog. Vamos cruzar as patinhas e ficar amigos.
Abração
Ele é o cão!
Que sonho, meu Deus! Sonhei que meu cachorro podia falar e andar com duas patas, ereto, pela rua afora, e pior, tomou minha identidade e saiu por aí fazendo dívidas, comprando com meu cartão de crédito. Imaginem só!
Até que estava me afeiçoando a este cachorro, mas não sabia de suas personalidades múltiplas. Desculpem-me os protetores de animais, mas ele extrapolou e vai voltar para a coleira por um bom tempo. O problema é que me escapa sempre e, ah, no pesadelo, ele me laçava e punha-me dentro da casinha, com ração e água. Já pensaram! Uma casinha onde cabe um poodle somente. De fora, dava uns latidinhos para mim e depois de me aprisionar saiu com minha esposa, ela sem perceber que não era eu, se percebesse... ou será que percebia? Bem, estava ficando com as pulgas imaginárias atrás da orelha e somente via o tchauzinho dela, fazendo caretas, como se eu fosse um imbecil e lá me deixava dentro da casinha. De identidades cruzadas, ele era eu e eu era um cachorro.
De fora, minguando um alimento humano e um carinho, a ouvia falar que ele “mudara para melhor, estava até mais bonito” – ele, um cachorrinho que livrei da corrocinha, roubou o meu casamento. Quando chegar a segunda-feira queria ver como ia se dar no trabalho, queria ver; mas chegando o dia, tomou seu banho, cantando as minhas canções prediletas sob o chuveiro quente e usando meu sabonete, saiu sem se barbear. Ah, se ela o visse! Mas ela gostou do new look dele, com aquele rosto pontilhado de descuido, e ainda passou a mão pela sua cabeça, num último carinho de portão. Safados!
Eu assistia a tudo pela fresta, quase privado de ver e ouvindo os resmungos e nhenhenhém deles e depois ouvi um estampido de beijo e ele a deixou, vi o aceno pela sombra. Ia esperar no almoço, pois chegando ao trabalho e não sabendo o meu metiê como ia se safar? Safou-se o malandro, tirou férias logo a seguir. As minhas férias que não tirava há anos por medo do chefe. Só restou-me a zanga e a solidão do meu quintal e a fresta de sol da manhã, onde me esquentava. As ruas conhecia de barulho e conversas do ponto de ônibus perto e num dia o ronco do meu carro que saiu e foi distante por semanas, deixando-me um resto de ração velha e um cocho de água, onde comia e dormia até quem sabe Deus. Matava o tempo afugentando passarinhos e, à noite, fugindo de morcegos; mas de domingo os rojões me afligiam os tímpanos, se alguém fizesse gol. Que idiotice.
Foi um pesadelo horrível, acordei com a impressão horrível e tinha medo de olhar no espelho, dei voltas na casa vazia e olhei o quintal por onde penara tanto. Comprei ração nova e uma casinha mais aconchegante e eles vieram do veterinário, ele tosado e alegre. Ele é o cão!
Obs:
Comentem aqui ou para os que quiserem meu e-mail é camilo.i@ig.com.br

sábado, 18 de agosto de 2012

Herói sem caráter  leia e comente
Mário de Andrade quando diz que Macunaíma é um herói brasileiro sem nenhum caráter, não quer dizer que este não tenha princípios; mas que “nada” o caracteriza. Não havia uma cultura formada no Brasil, por isso a antropofagia do movimento modernista em comer cultura de fora e regurgitar aqui nestes trópicos. Eu conto assim. No éden o criador lançou a pergunta...
- Por que te escondes?
- Porque eu tava pelado, ué.
- Quem disse que estáveis nus, acaso comestes do fruto proibido.
Não, disse Macunaíma e inventou uma longa volta até entregar vários culpados e por fim:
- É, se o Senhor qué sabê, comemo sim. Era tão apetitoso, ara!
- Estás expulso e ganharás a vida com o suor de seu rosto.
Macunaíma pôs se a esgoelar de boca cheia, comendo.
- Ai que preguiça, mas com que roupa eu vô?
O anjo guardião tomou uma camiseta de um político e lhe vestiu. Saiu e no portal um anjo torto revelou um plano de retornar àquela moleza. Tem coisas que nem o criador adivinha - pode?
 Triste, o nosso herói foi meditar perto de uma cachoeira, como orientara o anjo. Este anjo decaído lhe tentou e pelo paraíso queria que o acompanhasse com a camiseta no peito. Somente isso...
Daí uma voz veio como um trovão:
- Por que está apoiando o demo.
Não sabia que a única camiseta que usava de dia e de noite era coisa do demo. Era. E teria que arranjar outra camisa para enxugar o suor de seu rosto. Nessas horas o nosso herói punha-se a esgoelar: Mas que preguiça!
Foi a um templo próximo e, recebido, teve de usar uma túnica para batizar-se e professar uma nova fé em pessoas que não conhecia. Era um desgarrado e alguém o agarrou. Não aguentou muito pensar do jeito deles e novamente deitarem-lhe fora. Macunaíma é uma metamorfose ambulante (desculpe-me, Raul, tô usando essa tá).
Assim, nosso herói foi pular carnaval e inverter a ordem. Sem roupa, pula mesmo pelado, mas na sua ginga e se achar vinte mil reais no chão vai devolver, é assim, não tem nenhum caráter, nem o da desonestidade professa.
Não temos uma cultura de elite. Fim.

sábado, 11 de agosto de 2012

Amigos, para os dias dos pais publico reflexões que tomei da vivência com o meu. Abç.
Blogueiro filho
       Uma vida por minha vida (meu velho)
      Um prato de sopa fumegante. A noite vai cobrindo o mundo. Á diante o prato de um líquido engrossado de aromas, o pão lhe ajuda a juntar o que sobeja, o prato será limpo e o apetite satisfeito como na infância. Olhos miúdos e negros em trabalho de escuta, bem vivos, que observa o falatório – mas, que o mundo se move, se move. Suas mãos tremem e o talher bate no prato, cansado de chamar, de tilintar. A comida vem à boca que suga o caldo com dificuldade. O corpo está cansado, trêmulo e afinado com a vida diária. Não reclama de nada. Não se queixa de seus males constantes. Treme, por vezes, freneticamente. As migalhas da vida lhe caem na roupa, a rebate sem se importar. As roupas nem sempre combinam e está perfeito ao seu figurino austero. Não escolheu a grandeza, mas o simples e o comum.
            A idade avançada lhe parece à vista e não a esconde. Os talheres lhe são como os cinzéis do Aleijadinho, por vezes, tem de se manobrar todo para que um bocado de comida venha à boca e não quer ajuda. Derruba parcialmente, pegando a colher pelo viés errado, a mão não manobra bem. O guardanapo lhe socorre por uma mão auxiliar e pródiga - a esquerda.
            Os remédios é uma boa soma de pílulas, de drágeas e de goles amargos, a desgosto das papilas. Os toma religiosamente. Todo o dia. A mesma coisa? Não. Por vezes, derruba embaixo da mesa. Desta feita, faz o bichano ir para o armário e deixar a cozinha para o seu desjejum e o gato não lhe roubou o remédio, preferiu o sono a azedar seu paladar. As drágeas caídas correm como tampas de lata de leite em pó, escorregam por baixo de algum móvel esquivo, bamboleiam e caem deitadas num movimento circular a pranchar no chão, que a ele parece ouvir-lhe o ruído. Mas, pelo preço de cada uma, se arrisca entre as cadeiras a reviver os brinquedos da infância e pega o dito remédio, vitorioso. A danadinha vai pro papo. Joga novamente para cima e a abocanha no ar, desta vez. Dá-se a chance de errar e brinca com a vida, a despeito da lógica de Murphy. 
            O andar é vagaroso, não tem pressa mesmo. A vida lhe deu a paciência, a serenidade anciã. Os meus medos infantis se foram em suas rugas. Escolhe seus sonhos e seus desejos mais harmoniosos, mais miraculosos, que permanecem em segredo. Ninguém quer ouvir. Já velho pode dar-se ao luxo de falar bobagem e não ser ouvido, a função “gagá” lhe dá imunidade aos seus atos e aos seus sonhos. Pode fazer tudo que fora proibido pela sociedade, pela educação dos mais “corretos”, até o padre o passa adiante no confessionário, agora somente Deus o aprecia devidamente e divinamente. As culpas já prescreveram da costa deste adão. Aposentou os sapatos pelos pés nus, o correr pelo caminhar e o tempo pela vida.
             Homenagem ao meu pai Alessio Quartarollo, paciente de mal de Parkinson.

sábado, 4 de agosto de 2012

Amigos e leitores de crônicas, desculpe-me pelos rebuscamentos, é que era madrugada mesmo e não tive tempo de emendar sinônimos mais usuais, recomendo um simples dicionário digital  e já resolve, se o caso.
Como trata-se de uma reflexão que tive, podem perguntar, criticar, o texto que faço é para isso.
Abç
O blogueiro

Madrugada

Levanta célebres sonhos e presságios e esconde meus piados no negrume incipiente do dia, dos meus pensamentos disformes. Uma voz vem como a um profeta: escreve, escreve... criando ordem no caos. Tépidas eiras sem vento e uma serração cai sobre as bananeiras em chão fofo e úmidas em cheiro. Como uma corsa a palavra rumoreja nas nuvens fugidias da branquidão silenciosa. Ciosa e materna a terra esconde o horizonte para o café da aurora.
Na terna escuridão sempiterna diuturna solidão, apavora, esmaga a visão. Olha, escreve. Um resmungo de velho, um vagido de nascido, um suspiro de lactante, dorme o velho, nasce o homem. A natureza toda geme no lago que reflete. Disforme é o visível, real o invisível. Da existência vã precede o abstrato, as palavras aí estão, escreve.
Um cisco vem rodando do longe rodamoinho celeste, uma estrela de Van Gogh cai do cipreste, as horas vão emergir o dia. Escreve, escreve. Que coisa é o dia? Que se passou na noite? Quem rega as flores da enseada, quem alimenta os lobos? Dorme no sono canino o homem que sonha um mundo que não é seu.
Não temas o que não vê, nem o que o negrume da noite esconde, uma dor resume o que jacta e arvora-se em medo o que desconhece, mas em silêncio a noite tece e o homem, criança, adormece. O mal de outrora, de turbada dissidia, desvanece. No pincel que apaga, lá fora à flor do dia que o relento afaga. Fica onde te colocou a vida, onde está sua essência. Não madrugue o dia, não esconda a noite, não delapide as tardes, que seus dias são preciosos, embora vãos no entremeio da sorte. Mesmo sem norte, simplesmente vive e não tema a morte. Talvez alguém toque o sino, amanheceu, amanheceu; mas outros dormem o sono da vida ou o sono da morte. Simplesmente vive, o escrever é um recorte!