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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 11 de agosto de 2012

Amigos, para os dias dos pais publico reflexões que tomei da vivência com o meu. Abç.
Blogueiro filho
       Uma vida por minha vida (meu velho)
      Um prato de sopa fumegante. A noite vai cobrindo o mundo. Á diante o prato de um líquido engrossado de aromas, o pão lhe ajuda a juntar o que sobeja, o prato será limpo e o apetite satisfeito como na infância. Olhos miúdos e negros em trabalho de escuta, bem vivos, que observa o falatório – mas, que o mundo se move, se move. Suas mãos tremem e o talher bate no prato, cansado de chamar, de tilintar. A comida vem à boca que suga o caldo com dificuldade. O corpo está cansado, trêmulo e afinado com a vida diária. Não reclama de nada. Não se queixa de seus males constantes. Treme, por vezes, freneticamente. As migalhas da vida lhe caem na roupa, a rebate sem se importar. As roupas nem sempre combinam e está perfeito ao seu figurino austero. Não escolheu a grandeza, mas o simples e o comum.
            A idade avançada lhe parece à vista e não a esconde. Os talheres lhe são como os cinzéis do Aleijadinho, por vezes, tem de se manobrar todo para que um bocado de comida venha à boca e não quer ajuda. Derruba parcialmente, pegando a colher pelo viés errado, a mão não manobra bem. O guardanapo lhe socorre por uma mão auxiliar e pródiga - a esquerda.
            Os remédios é uma boa soma de pílulas, de drágeas e de goles amargos, a desgosto das papilas. Os toma religiosamente. Todo o dia. A mesma coisa? Não. Por vezes, derruba embaixo da mesa. Desta feita, faz o bichano ir para o armário e deixar a cozinha para o seu desjejum e o gato não lhe roubou o remédio, preferiu o sono a azedar seu paladar. As drágeas caídas correm como tampas de lata de leite em pó, escorregam por baixo de algum móvel esquivo, bamboleiam e caem deitadas num movimento circular a pranchar no chão, que a ele parece ouvir-lhe o ruído. Mas, pelo preço de cada uma, se arrisca entre as cadeiras a reviver os brinquedos da infância e pega o dito remédio, vitorioso. A danadinha vai pro papo. Joga novamente para cima e a abocanha no ar, desta vez. Dá-se a chance de errar e brinca com a vida, a despeito da lógica de Murphy. 
            O andar é vagaroso, não tem pressa mesmo. A vida lhe deu a paciência, a serenidade anciã. Os meus medos infantis se foram em suas rugas. Escolhe seus sonhos e seus desejos mais harmoniosos, mais miraculosos, que permanecem em segredo. Ninguém quer ouvir. Já velho pode dar-se ao luxo de falar bobagem e não ser ouvido, a função “gagá” lhe dá imunidade aos seus atos e aos seus sonhos. Pode fazer tudo que fora proibido pela sociedade, pela educação dos mais “corretos”, até o padre o passa adiante no confessionário, agora somente Deus o aprecia devidamente e divinamente. As culpas já prescreveram da costa deste adão. Aposentou os sapatos pelos pés nus, o correr pelo caminhar e o tempo pela vida.
             Homenagem ao meu pai Alessio Quartarollo, paciente de mal de Parkinson.

2 comentários:

  1. Um abraço para o seu papai Alessio, feliz domingo!
    Abraços!

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  2. Olá, Camilo! Encontrei-me em sua história o que vivi com meu marido... Comoveu-me. Mas, é o deslizar da vida entre nossos dedos. E, o coração vibra a cada encanto e desencanto... Linda a sua crônica rela da vida de muitos de nós! Beijo as mãos de seu pai. Amém! Felicidades! Abração da Célia.

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