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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 6 de outubro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a esta página. Boa eleição e acompanhem os seus candidatos. Se são bons que fiquem ainda melhor, se são ruins para os seus amigos, cobrem deles, afinal o voto quem depositou foi você. Do contrário para que votar? A vida continua depois da eleição, por ora, se achar de bom gosto, deguste meu texto, à-toa mesmo. Abç
O blogueiro
 
04/10/12 Tribuna Piracicabana
Dores à-toa
Não anda por si, não consegue deglutir, nem sorver líquidos. Seu corpo está limitado às mãos de outrem e o moço de branco não viria me render esta noite. Na folga dele revezavam-se em desculpas. À só com o doente fiquei. A noite alongava-se em penumbras do sono leve e alguns ais. Levanta-me, dá-me água, cobre-me, puxa aquela perna para cá. Mudava sempre de posição na cama sem se ajeitar em conforto. Sua silhueta era arquejante, em declínio das forças, a vida efêmera ia lhe deixando sob meus olhos, que relutavam em ver. Nos meus “dordolhos” e medos de infância ficava comigo, confortava-me. Ele fazia-me vencer os medos da noite, da depressão noturna, dos fantasmas.
         Havia um relógio redondo onde eu contava as horas, conhecia bem aqueles ponteiros antigos e o barulho das engrenagens punham ordem no acaso. Meu tempo interior pulsava e meus ouvidos de dentro cochilavam até o repicar da campainha.
         Saio a ver as cercanias da casa velha, os puxadinhos de italianos. O quintal com flores e frutíferos que nasceram de alguma semente que quicou da lata de lixo. Meu avô chupava laranjas por ali. Durante o dia havia pássaros, agora via algumas nuvens e silêncio onde sentávamos para conversar. As árvores resistiram nessa terra penhorada. Naquela cadeira velha meu avô recostava-se com seu terço e chapéu e ali sentava eu para ver o pôr-do-sol e olhava de pescoço longo como a empurrar os prédios feito cortinas. A serra de São Pedro ficava logo ali, perto de nossos sonhos. Ali eu abria algum livro de leitor vagabundo e falava comigo mesmo. Os poucos que tive foram os melhores, porque os li. Lembro-me que parava a leitura para carregar o caminhão de feira e sentia o cheiro do depósito – uma suposta fortuna, hoje memórias de alguns estrados e bancadas velhas. Por vezes parava e meu pai estava fazendo contas, gostava de ganhar dinheiro e “amanhã a feira vai ser boa”, dizia. Nunca me perguntou o que eu lia. Se necessário, até fazia algumas citações de cor, mas nunca foi um teórico, era um homem de atitudes próprias, com uma rude discrição.  Alguns daqueles livros ainda estão empilhados por lá e eu por aqui de enfermeiro, tento curar minhas dores até o próximo repique da campainha, dores à-toa.

2 comentários:

  1. O ontem como pano de fundo no que nos tornamos hoje! Fantástico! É um pedaço de todos nós!
    Abraço, Célia.

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    1. Abção, Célia. Grato pelo comentário sempre tão afim.
      Camilo

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