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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 24 de novembro de 2012

Amigos, o lançamento do meu terceiro livro As ciladas do está completando um ano e aproveito esta postagem para falar sobre a tecnologia que passa a integrar o cotidiano do homem. Espero que, mesmo não sendo uma crônica amena, possa ser agradável.
O robô de Isaac
No livro Histórias de Robôs, que Isaac Asimov prefacia, numa fluidez e objetividade ímpares, argumenta sobre a tecnofobia e nomeia este sentimento como complexo de Frankenstein - na obra de Mary Shelley o criador é morto pela criatura. Na evolução tecnológica o medo da humanidade aparece com relação ao robô - o “nosso” Frankenstein - e de que nos mataria tirando-nos o emprego e substituindo-nos, ou mesmo substituiria toda a humanidade. A eliminação da humanidade?
O prefaciador diz que há duas inteligências diferentes, a humana e a robótica, com diferentes especialidades. Concorda que em termos de perspicácia, intuição, criatividade, capacidade de analisar e responder pela percepção, robôs ou computadores são ignorantes. Para ele é vão o esforço em construir computadores criativos, capacidade tão tosca diz, quando se dispõe do cérebro humano, que faz isso tão bem.
Não é à toa que Asimov propõe as três leis numa obra que fala de um robô que vai tornando-se consciente, o “Eu, robô”. Eis o enunciado das três leis:
 1º Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2º Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei; 3º Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Lei.
Essas leis não se aplicariam também aos humanos e seus semelhantes?
Isaac Asimov confessa neste prefácio que quase todos os seus livros são escritos do ponto de vista de um tecnófilo, seus robôs são quase sempre simpáticos. A não ser na literatura ou cinema, não se conhece um robô do ponto de vista de serem pessoas, não há.
Em meu livro As ciladas do Androide trabalho esta relação homem-máquina do ponto de vista humano e de suas linguagens. O androide é o não-humano que pode se tornar parte do humano, sem deixar de ser robô com suas linguagens de programas e sub-rotinas, assim como muitas linguagens  que existem no Universo, inaudíveis, impronunciáveis, inexpressáveis, em que somente a percepção capta e não temos parâmetros para entender fora das crenças e espiritualidades.
Na verdade, o que a visão tecnicista de mundo tenta fazer é o humano ser robô numa eficiência numérica e produção mercantilista, sem crença ou espiritualidade, numa “criatividade” funcionalista. Criar é um bem espiritual, fantástico, que transcende os objetivos imediatos ou de lucro. Autores e cineastas projetam ou transportam para os ET ou robôs características próprias do humano, querem que o substituto ou sucedâneo tenha a sua alma. Talvez tenha caído nesta cilada o próprio Asimov?

sábado, 17 de novembro de 2012

Crises do filho do meio
Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Diz o povo que estes são os requisitos para se realizar na vida. Plantar até passarinho planta, para se ter filho não precisa ser tão viril assim, se bem que não o gerando o machão põe a culpa na mulher – criá-lo sim, isso é difícil; agora, escrever um livro... uma obra é uma coisa que sai da gente, como uma força, uma energia e depois a gente mesmo relê o que escreveu para sentir a mesma coisa. Estranho, mas escrever é um processo terapêutico, profundo às vezes.
Estou parindo Crises do filho do meio, já lhes conto.
Tinha já parte do material desde 2005, até mandei para meus irmãos e a Dete disse: vai virar livro, né. Ora, não havia escrito nem o primeiro livro meu ainda. Esta obra gestou em mim, uma crise prolongada, diria.
Fato que não somos em nada família exemplar, nenhuma é, acho; e agora meu pai está acamado há dois anos, quase morreu e não se recupera, vivendo por sondas. Vejo que um ciclo se fecha, que cada constitui sua própria família. Achei que era hora de fazer vir à luz estas coisas da nossa infância e adolescência, do tempo que vivemos juntos.
Comecei um trabalho de parto. Rememórias, situar no tempo os eventos, pesquisar, usar a melhor abordagem. A trama, o que unificaria toda a obra, tinha de pegar o tema e creio que achei: As crises do filho do meio.
Os pais e principalmente as mães têm experiências diferenciadas de cada filho, cada um traz uma alegria ou marca uma tristeza, perda, sofrimento, luta, um novo alento. O nome do filho marca um momento na vida do casal e da mãe, todo filho tem na cabeça que é único, é muitos pais os deixam pensar assim, mas o pai que também é filho quer maior felicidade para os seus.
Meu irmão quase-gêmeo, personagem e prefaciador, e depois os capítulos nos quais usei a linguagem ingênua, com diálogos próprios, para denotar a visão que tínhamos na infância, deixando ao leitor a interpretação. Coloquei as fotos de família e os desenhos que fiz. Li para o meu pai acamado e acho que entendeu alguma coisa, mesmo no estado em que se encontra, se não entendeu sentiu as palavras. Ele é personagem integrante do meu livro e da minha vida. Também sou eu quem faz a correção, edita, imprime e faz a capa. Ah, tive de usar as palavras certas para não melindrar ninguém e corrigir, corrigir, corrigir, corrigir. Ufa.
A capa, contei também com sugestões da minha enteada e esposa, vai ser mais ou menos a que posto. Sonhei que era gramada e que a grama verde saía de mim, o fundo é o relevo da chácara da nossa infância, tendo em vista que todo o resto foi derrubado e virá um espigão, com certeza, onde morávamos e lembramos como lugar físico.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Amigos, já imaginaram um caipira no divã. Aliás, a prosa do caipira já é uma terapia. Posto hoje um causo, espero que se divirtam.
 blogueiro
 Prosa terapêutica
         Era uma sala espaçosa. Chegou e cumprimentou o homem de cavanhaque, calça de suspensório e um sorriso. O gentil senhor, antes de o caipira se pronunciar, pediu que se sentasse, ficasse à vontade, ofereceu água mineral e que se acomodasse. Só então falasse. O paciente rude tirou o chapéu e foi pedindo licença – “dá licença eu vou contá”, disse. Não, não me venha com histórias da cabocla Teresa. Tímido, se enfiou debaixo do chapéu de novo e o terapeuta lhe aconselhou a se soltar, ficar tranquilo e que “se sentisse em casa”, não falar de sua cabocla Teresa era um chiste de consultório, riu para dentro para deixar o paciente mais calmo, a cúmplice. Este ruminou as ideias, tossiu, tirou um toco de cigarro da orelha e ofereceu ao analista que recusou amavelmente. Olhou do lado, bateu nos bolsos a procura de fósforos e o homem lhe acendeu o cigarro com um isqueiro prateado, com um sorriso longo, estudado; mas o caipira cruzou e descruzou as pernas, olhando de canto de “zóio” aquele cidadão. Lá fora uma chuva caía. E o caipira resolveu falar.
            - Seu dotor, eu...
            - Fale-me mais, conte-me de sua vida...
            - Eu sô caboco bão, gosto de trabaiá, tenho um cachorro perdigueiro que gosta de caça preá. Monto no meu alazão pra ele troteá. Tenho minha casinha humirde e muito garoto pra criá. Sou pobre, mai honesto, num gosto de apropriá. Mai essa consurta num tenho dinhero prá pagá.
             - O senhor pode pagar como puder, com o que quiser. Vemos depois.
            Na sessão seguinte, a mulher do caipira, Teresa, trouxe uma cesta de legumes e verduras frescas, o caipira não foi e faltou todas as seguintes, até que um dia marcou a segunda consulta.
            Para cativar a empatia do caipira o terapeuta pôs roupas simples e listradas, apropriando-se de algumas interjeições do dialeto. O caipira começou...
            - Seu dotô, eu tinha cavalo bão gostava de trabaiá, um alazão troteado e uma espingarda boa. Tereza, cabocla, me fazia companhia, lá numa casinha pertinho do riacho, um dia cheguei em casa num quaxe se apagando e alguém vi si isconde na luz de vela se apagando...  Loco de amor, tirei meu facão...
            - Ciúme?!
            - Não, dotô – deu um sorrisinho amarelo - num fui eu não, é moda de viola. Vim memo convidá o sinhô para visitá lá em casa.
            - E as consultas?
            - Que consurta, eu não cunheço essas palavra difíce e num to duente. Até mais, seu dotô. Pareça lá na fazenda conhecê a famia e armoça c’ua gente.
            E antes de sair o homem, o analista pergunta:
          - Então por que veio?
         - Vim? Só intrei aqui proque tava choveno, ué. Pra morde iscondê da chuva e o senhor veio c’essa conversa de conte sua vida... ara!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Com os mortos

Amigos, vivos e mortos (para os que acreditam nos espíritos que vagam), posto hoje uma reflexão a passeio por um cemitério. Na verdade, vai-se a um cemitério para se pensar na vida, vejamos. Espero que curtam o texto e não morram de tédio, não tenham medo, estarei por perto, ahahah.
O blogueiro vivo
Com os mortos
(Publicado no jornal A@ tribuna Piracicabana)
Ao lado do sepulcro de um amigo meu havia outro túmulo ao estilo chinês. Mais além (mas não do além) um Buda meio sorriso, ali na esquina da rua sete, da pequena rua de cemitério de fluxo lento e respeitoso de esquifes, havia ainda outra sepultura e esta aterradora, uma escultura do deus da morte asteca, de sorriso escancarado. No meio de tantas deidades, pensei, a piedade católica hoje em dia é difícil. Os cemitérios são ecumênicos e cada um faz o culto que quiser aos seus mortos, com comida para o defunto, lápides, anjos, santos, símbolos, o que quiser.
Gostava dos mortos menos ecléticos e da ala dos anjos e santos comportados e bons, da minha religião, numa beleza etérea dos gregos, simétricos. Na verdade lá era uma área invadida por mormos, protestantes, anglicanos, chineses e mexicanos. Meu amigo, antes de morrer não tinha onde cair morto e foi cair lá à custa de algum estranho que lhe devotou a piedade de última hora.
Dentro em pouco vão juntar os pedacinhos dele num canto e pôr outro corpo inteiro – foi-se há alguns anos já, coitado! Depois de várias velas que gastei nos jazigos de família voltei ao Buda de antes. A estátua com o meio sorriso e o tempo nublado, suspenso sobre mim pensativo. Pior coisa para um ocidental é saber qual parte dos meios vai querer, porque tudo é de dois na nossa lógica. Buda está meio alegre e meio triste, ou meio triste e meio alegre? Para os orientais, budistas em particular, dizem que essa questão não existe, de meios; lá os meios coexistem, o meio é a profundidade que equilibra os extremos. Buda dizia para não ser muito amigo de ninguém, nem muito inimigo de ninguém, mas que se procurasse o caminho do meio, o do equilíbrio. Nós ocidentais abominamos essa passividade, esse sorriso de tonto e nos amedrontamos com as gargalhadas do deus da morte asteca, como se nos levasse todas as posses esse deus do milho. Nem tudo se pode resolver pelos “oito ou oitenta”, existem situações em que só vale a renúncia e não se pode abster desta - a agonia de algum ente próximo, sombra da nossa.
De fato, essas imagens remeteram-me às mortes dolorosas, ao acamado que chora e eu... não posso chorar, minha solidariedade é às avessas para lhe dar alívio. “Tudo está bem” E quando for minha vez? Pulo essa parte, estarei na contagem, não regressiva, mas protelatória, ganhando tempo. Sempre pensamos em termos de lucro, não de luto. De que ri o Buda da lápide? Afinal, diz de Du Champ em seu próprio epitáfio: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui meurent” (Aliás, sempre são os outros que morrem)
E.T.: Saindo um pouco da atmosfera de cemitério, aos interessados em presentear nos finais de ano seus entes queridos este blogueiro disponha de exemplares de seu terceiro livro As ciladas do Androide. Em caso de dúvida ou de certeza em possui-lo, contate-me pelo e-mail camilo.i@ig.com.br ou por esta página mesmo nos comentários. Posso dar a sinopse e mais detalhes. Abção.