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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

domingo, 31 de março de 2013

Amigos, amigas, esta postagem foi feita em 2010, mas se alguém não leu ou se leu e gostou, posto-a de novo, devido à data. Espero que curtam, como eu curti ao escrever.
Abço do Blogueiro
              Se Cristo tivesse cachorro
             Quando Maria chegasse à tumba com a pedra movida, ouviria alguns latidos ou uivos, mas não, acho que haveria um cão tranquilo, embevecido, ainda ali, olhando ao alto.
            São Francisco é considerado o santo dos animais e da ecologia. Acalmou o lobo de Gúbbio, que vivia a molestar as pessoas. O santo estendeu a mão ao lobo, a quem chamava de irmão. Aliás, esse santo tinha mania de chamar a todos de irmão e não era carioca. Dizem os teólogos que o lobo em tela podia ser um político de maus bofes, uma pessoa e não um quadrúpede. Mas o santo se dava bem com animais, como mostram os santinhos, com pombas nos ombros e coisas do tipo e a Igreja o atesta.
            Com relação a Jesus, as escrituras não trazem em cena se Ele tinha algum cachorro; bom, eu tenho. Não sei se foi uma omissão acidental ou de propósito, para não lhe associar a imagem a algum deus pagão, com a cara de cachorro. Bem, o meu cão não é nenhum Anúbis e não tem poder sobre ninguém que não conquiste pelo coração. Mas ainda lanço uma possibilidade de Ele ter tido um lá em Nazaré mesmo.
            Os cães são domésticos desde há muito tempo. Mesmo Ele numa parábola o diz sobre um cão que lambia as feridas de Lázaro. Os cães se lambem e lambem os outros, se misturam e procuram restos de comida. Se o cão remete ao temperamento do dono, como se diz, pergunto como seria o cachorro de São Pedro? Medroso, claro. O cão de Tomé, desconfiado. O de João, amoroso. O de Judas, traiçoeiro. O de Pilatos, indeciso. O de Kaifás, acusador. O de madalena, observador. O de Maria, solícito. O de José, trabalhador. O de Jesus, sem coleira e obediente.
            Na tentação do deserto o cão podia mostrar os perigos dos precipícios que o diabo queria lhe atirar, acalmar a fome com um pouco de carinho, uivar à noite e jejuar, porque o cachorro jejua enquanto o dono não volta para casa. O cão tem uma força de vontade maior que os humanos e uma humildade em pedir, incomum na nossa espécie. Quando preso no Getsêmani, talvez o animal não atacasse os soldados romanos como fez Pedro, ou nem renegasse, mas seguiria Jesus por qualquer fresta que encontrasse. Apanharia junto com os flagelos impingidos ao filho do homem; se enxotado, voltaria para consolar o divino mestre.
            Se tivesse cachorro estaria ao pé da cruz entre as pernas de João e Maria com os olhares caninos para cima e para os dois, triste. Na deposição, estaria lá como atrapalhando a lavagem do corpo e a colocação de essências aromáticas, mas presente guardando o dono. Depois de selar a pedra da tumba todos foram embora, mas ele ficaria mesmo indesejável, assustando os soldados romanos que acreditavam em outros deuses. No sábado não comeria nada, nem beberia, os cães são assim. E no domingo da ressurreição, pilar da fé cristã, ele seria a maior prova, porque o cachorro não abandona o dono – a tumba vazia e o seu olhar para o alto destruiria o último argumento de roubo do corpo. Agora já aceitaria comida dada pelas mulheres e seguidores, sinal que Ele, Vivo, o acarinhou a cabeça ao sair da tumba.

sábado, 23 de março de 2013

Caro(a)s amigo(a)s, vivo uma fase de tristeza ou de mutação vital, meu pai vai aos poucos numa cama há dois anos e meio e emagrece e vejo lentamente sua partida. Talvez isso me traga estes textos mais religiosos. Desculpem os que o acharem piegas.
O blogueiro
Um sapato e um tamanco
Diz-se que os discipulos achegaram a Jesus, sozinho, para aprenderem a rezar e ele ensinou a oração mais repetida em todo o ocidente. Desde então alguns trataram de formular e aprender orações “fortes”, como fórmulas mágicas para os mais variados propósitos e fazer promessas e dar pulinhos ao São Longuinho.
Na verdade a oração do católico era o rosário, mas depois dividiram em três partes, o terço, e o homem da gleba também tinha um terço da lavoura que plantara, então misturaram tudo e rezavam.
Dizem que o italiano é supersticioso, pecador inveterado e religioso; meu nonô era um misseiro e orante do terço, mas contava uma história ou lenda, sempre e com a entonação do era uma vez, repetindo-a por muitas. Meu avô contava de uma menina que chegava numa igreja, manca de uma perna, subia o morro e ia à missa (as igrejas era construídas num monte e o povo minguava sob um bispo ou padre), com atraso, porém, ao chegar, a missa ganhava vida e até milagres operavam-se. O padre diante da eficácia quis conhecer a oração dela. Aliás, abro um parêntesis, existe oração e rezação, rezação são aquelas falas empostadas para os outros, para criar efeitos, oração não é bem isso.  Oração? - disse a menina – eu não sei rezar, seu padre! O religioso insistiu para saber o que fazia na missa enquanto ele desfiava seu latim brutal, talvez incompreensível até para Deus. A menina, frágil, tirou os calçados e mostrou ao padre dizendo “não sei não, mas venho assim, ó, com um tamanco e um sapato”. E segurando os calçados errados na mão, saiu andando certo e sumiu na porta da igreja vazia. O padre passou a repetir a oração ininteligível aos homens.
Com certeza, como eu e você leitor (a), ele até hoje não entendeu o que significa. Oração é coisa de momento, da graça ou do que queiram chamar, mas inda lembro dos gestos de meu nonô rezando seu terço sem graça, cansativo para mim, cinquenta aves-marias, alguns padre-nossos e Glória no meio das dezenas. Nessa hora ele não falava nada, só olhava de soslaio e continuava firme, passando as contas de uma mão à outra, a miúdo, solene, eu ia vendo qual parte do terço estava mais comprido, se era o de baixo estava terminando essas orações dele como um depósito bancário na eternidade, aguardando o saque na hora da “nossa morte, amém”. Já, na igreja, o terço era um desafio ao seu santo onomástico, Antonio; ajoelhado diante de algum altar lateral segurava o terço numa das mãos esticada e contava as orações como a matar pulgas.
O terço de meus pais era rezado na cama, antes de dormir e um puxava o outro, quando a gente criança rezava junto a mãe tinha de cutucar e dizia agora é a sua vez, meu pai forçava a última sílaba como a dizer “vamos”. Na época que eles cumpriam essas obrigações eu dormia sempre antes ou ria dos sons repetidos de gente grande a alguém invisivel. Verdade que, como hoje, acordei e percebi que essas orações ainda estão presentes fui ao teclado escrever a alguém invisível e, com alguma pretensão, acho que nasci depois de algum terço deles e de um dia de muito trabalho, com este ar de religioso e cansado. Af-maria...

domingo, 17 de março de 2013

Amigos(as), agradeço pelos acessos ao blog. Na postagem passada, antes do conclave, fiz uma brincadeira e assumi algumas notas de cronista, lúdicas mas verdadeiras - isso que lucra um cronista, poder dizer o que quer nas entrelinhas por vezes. Contudo, coincidências se mostraram no espírito da eleição de Francisco. Não sei se é maquiagem para a mídia, espero que não; mas talvez tenhamos alguma renovação na Igreja e digo isso, com respeito a todas as outras religiões, mas porque, mesmo que não fosse batizado, a Igreja católica ainda é muito representativa em número e influência. Oxalá o espírito de Francisco a guie mesmo e também a este cronista, puf.
  Jeito de amar
             Esses cantos repetitivos dos pássaros como um tititi. Uma brisa quente vem às narinas com os diversos aromas do mato, úmido, quente, folhas verdes e secas, frutos caídos e penso que se pudesse a natureza invadiria a mim e a essa escola. Os planos verdes em barrado das paredes e o prédio de humanos seriam abraçados pelos cipós e caules amorosos, brotando das trincas flores e frutos ao acaso dos homens.
            Um jeito de amar, uma linguagem? Foi assim que senti desse aroma e desses cânticos das aves, mas não vi o maestro ou maestrina. Uma consciência inumana que permeia embrenhada em tudo que pulsa e não me venham por um registro de propriedade. A terra é viva. Mas qual a sintaxe das árvores? Nessa gramática verde não existem conectivos, somente uma onda constante, uma emanação de amor, que é preciso beber.
            Um dia quando a morte me tomar, depositem-me à terra nua. Aqui vivo, quando se vê que todos os intentos são vãos à luta por justiça social e todos os versos são ermos de olhos grossos, Deus me dê esse repouso tranquilo, que para muitos será tormento. Sim, comer capim pela raiz e pelos olhos de quem não os fechou em vida. Brados pela ecologia se fazem ouvir, toda a natureza geme – como diz São Paulo – até que ressuscite o mundo e o homem perfeito, a nova criação. Não terminareis de percorrer antes que eu tenha voltado, disse Jesus. Voltará antes.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Amigos(as), havia dito que nesta semana ia postar algo que não animal, mas não deu, este texto saiu no jornal local no dia 05 p.p. e é atual e se não publicasse perderia o than, verão no último parágrafo. Então postei ainda sobre cachorro. Conto com a compreensão canina de todos, e se tiver muito cansativo, protestem. Abç
O blogueiro
Cadê o Chiquinho?
Chiquinho era um cão de rua, sem dono não, mas de rua. Durante o dia “dava expediente” pela vizinhança. Conhecia Bentinho, o cachorro do Ângelo, este cão todo branco e comportado, recebia o amigo no portão e o despedia ali, com latidos baixos ou resmungos, era um aristocrata como o dono. Chiquinho andava pelas paragens, fazia novas amizades e à noite voltava para o dono, um montador de móveis da região.
Era comum o Ângelo comentar sobre o cão do vizinho. O Chiquinho andava longos trechos, víra o tal do outro lado da cidade, no mercadão, tomando ônibus, na câmara municipal (sentado), entrava com a torcida no jogo do Quinze de Novembro, era um cão independente, livre e amigo. Via-se o animal descendo na parada gay, nas manifestações de rua e depois se acolhia no bar, mas se a coisa esquentasse sumia. À noite voltava para casa na casinha improvisada no quintal e a lamber as mãos do dono, de quem não largava. Tinha tanta civilidade que ficava por horas na vaga guardando idosos ou pessoas com necessidades especiais estacionar, levava cestas na boca até a casa de uma vizinha idosa e ajudava pessoas indecisas a atravessarem a rua, sem sofrerem um arranhão.
A estranha figura do cão levantou curiosidades quanto à origem, era vira-lata mesmo, mas quem fora seu primeiro dono? Descobriu-se. Fora de um frade capuchinho, daqueles de chinelas e que vivia nas comunidades pobres, alguns se recordaram dos dois, do frade e do cão.  Não faltava comida para o Chiquinho, nem um afago de estranho, que acedia com prazer e simpatia. Ninguém ousava molestá-lo em qualquer estabelecimento, nem os desafetos de cães vira-latas, mesmo vendo seus pelos desgrenhados.
Um dia Chiquinho sumiu. O dono choroso veio procurá-lo na porta do Ângelo e Bentinho espiava sem saber. Não voltava para casa há dias e achava que Chiquinho podia ter sofrido um acidente. Da última vez que sumiu foi encontrado longe, na Argentina.  Mas como? O animal pegava avião, assim como subia nas escadas dos ônibus e descia no ponto, mas talvez tenha ido para algum lugar perigoso, onde não o conheciam. O Ângelo veio me contar e fiquei apreensivo também, contei à minha esposa, mas pôr no jornal não ia dar certo, somente se fosse retrato falado, porque Chiquinho não tinha uma foto sequer.
O amigo Ângelo se compadeceu, eu me preocupei, mas o que fazer? Se caísse nas mãos erradas, de pessoas que não o conheciam talvez sofresse alguma violência, ou se enturmasse com cães errados, talvez saísse arranhado e com a autoestima manchada. Procuramos muito o cachorro, eu com meu carro, o Ângelo pôs sua limusine à disposição, o Cláudio virava-se com seu Gol 74, o dono dava voltas com a Kombi velha, os vizinhos traziam notícias, mais falsas que verdadeiras. Chiquinho sumira no mundo mesmo. Nada mais nos restava, o Ângelo estava com ar de cansado e bateu à minha casa, convidei para entrar e vermos TV, afinal era o grande dia do conclave, para eleição do papa.
Entrou, sentou e liguei a TV como pretexto para dispersar. O Ângelo, se não falei, é umas das pessoas mais perceptivas que conheço, e fitou a tela. Gostava mesmo de eleição papal. De repente:
- Olha lá, olha lá!
A enorme porta se fechou e por ela vi entrar de raspão o Chiquinho. Estava no Vaticano! Talvez escolhendo o novo papa. Boa sorte, Chiquinho, precisamos de alguém com faro mesmo e humano, quem sabe um capuchinho.

sábado, 2 de março de 2013

Amigos e amigas, mais uma postagem sobre animais, na semana que vem eu mudo. Como entender essas cãezinhos que marcam nossas existências domésticas e influem sobremaneira na nossa autoestima? Eles tem uma dimensão pacificadora no cotidiano e na vida do ser humano.
O blogueiro.
Ele é o cão!
Que sonho, meu Deus! Sonhei que meu cachorro podia falar e andar com duas patas, ereto, pela rua afora, e pior, tomou minha identidade e saiu por aí fazendo dívidas, comprando com meu cartão de crédito. Imaginem só!
Até que estava me afeiçoando a este cachorro, mas não sabia de suas personalidades múltiplas. Desculpem-me os protetores de animais, mas ele extrapolou e vai voltar para a coleira por um bom tempo. O problema é que me escapa sempre e, ah, no pesadelo, ele me laçava e punha-me dentro da casinha, com ração e água. Já pensaram! Uma casinha onde cabe um poodle somente. De fora, dava uns latidinhos para mim e depois de me aprisionar saiu com minha esposa, ela sem perceber que não era eu, se percebesse... ou será que percebia? Bem, estava ficando com as pulgas imaginárias atrás da orelha e somente via o tchauzinho dela, fazendo caretas, como se eu fosse um imbecil e lá me deixava dentro da casinha. De identidades cruzadas, ele era eu e eu era um cachorro.
De fora, minguando um alimento humano e um carinho, ouvi ela falar que ele “mudara para melhor, estava até mais bonito” – ele, um cachorrinho que livrei da carrocinha, roubou o meu casamento. Quando chegar a segunda-feira queria ver como vai se dar no trabalho, queria ver; mas chegando o dia, tomou seu banho, cantando as minhas canções prediletas sob o chuveiro quente e usando meu sabonete, saiu sem se barbear. Ah, se ela o visse! Mas ela gostou do new look dele, com aquele rosto pontilhado de descuido, e ainda passou a mão pela sua cabeça, num último carinho de portão. Safados!
Eu assistia a tudo pela fresta, quase privado de ver e ouvindo os resmungos e nhenhenhém deles e depois ouvi um estampido de beijo e ele a deixou, vi o aceno pela sombra.  Ia esperar no almoço, pois chegando ao trabalho e não sabendo o meu trabalho como ia se safar? Bem, às vezes nem eu sei, mas safou-se o malandro, tirou férias logo a seguir. As minhas férias que não tirava há anos por medo do chefe. Só restou-me a zanga e a solidão do meu quintal e a fresta de sol da manhã, onde me esquentava. As ruas conhecia de barulho e conversas do ponto de ônibus perto e num dia o ronco do meu carro que saiu e foi distante por semanas, deixando-me um resto de ração velha e um cocho de água, onde comia e dormia até quem sabe Deus. Matava o tempo afugentando passarinhos e, à noite, fugindo de morcegos; mas de domingo os rojões me afligiam os tímpanos, se alguém fizesse gol. Que idiotice.
Foi um pesadelo horrível, acordei com a impressão horrível e tinha medo de olhar no espelho, dei voltas na casa vazia e olhei o quintal por onde penara tanto. Comprei ração nova e uma casinha mais aconchegante e eles vieram do veterinário, ele tosado e alegre. Ele é o cão!