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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 27 de abril de 2013

Amigos, vai mais uma do baú.
Blogueiro calado.
Camilo
Broinhas
Sobre a mesa um bule rústico, mas bem areado, com nariz curvo e os amassados de muitos tombos ao chão. O café pobre estava servido a quem quisesse. As pessoas deviam ter avós, todas, mas a avó Carminha era avó de apelido e de idade. Acredita em Deus, vó? Que pergunta mais inoportuna do escritor. A resposta a velha deu de pronto: “craro,fio!”
            O escritor tinha certo glamour de super-homem. Uma moda de erudição, de administrador de pensamentos. Dividia bem em sua cabeça entre os que respondiam com clareza e os que aceitavam tudo como dona Carminha. Coitada! Não sabe nem falar – concluía.
            “O fio qué, fiz umas broinha?”. Ele com muitas páginas para escrever e corrigir e ela nem lembrava mais da pergunta, nem se ofendeu, só pensava nas broinhas de fubá, que ele já mastigara sem sentir o devido sabor. Mas agora voltou a ruminar, o gosto ainda estava na boca, as broinhas eram divinas mesmo. “Qué mai, fio?”. Fez ele um obrigado com a mão, se enchera, mas a erva-doce nas entranhas - tinha erva-doce na broinha! - lhe dava um apuro digestivo e lhe avivava os olhos diante da ocorrência minúscula de uma cozinha de chão batido. Deus coloca o sabor nas migalhas, mas não explica a ninguém. É muito simple - dizia a velha - a gente vai fazeno e depoi assa.
            Ele desligou-se um pouco na cadeira de praia que levara, era um trabalho de pesquisa daquele sertão enfadonho, onde as moscas cozinham o tempo e nada acontece. Dormitou, sonhou quase acordado e acordou com o próprio ronco e um estalo de lenha no fogão. A velha se fora, teria tempo de rever suas anotações em paz, sem que ninguém lhe oferecesse nada. Pela porta via algumas galinhas que ciscavam e a velha catando lascas de lenha. Ele fazia planos de capítulos, abstraía, rebuscava - com certeza sua leitora não seria aquela velha de falar “craro, fio”.  A vó jamais leria seus livros, era analfabeta de pai e mãe, mas fora ela que lhe dera o peito quando o da sua mãe secou. E o cantar dela então! Aquela canção de ninar lembrava às escondidas, seria feio contar. Aquele hum-hum para dentro, de timbre próprio de babás que embalam os seus nenéns. Às vezes, para dormir, retomava aquele canto de memória. Mas isso era muito pessoal, nem ela sabia. Não sabia? Aqueles olhos adivinhavam coisas, mas não sabia dividir em palavras bonitas, ela mesma confessava que não sabia falar e não se dava a esse “luxo”. “O minino é que era bão com essas coisa, ara dexe prá lá”.
            Todas essas coisas na sua mente e cochilou de novo na canção de infância. Sentia-se bem para descansar da viagem, por aquelas estradas esburacadas e curvas, parando para algum animal solto na frente do carro. Ressonava quando um velho o acordou. Ainda piscando olhou dos lados, o bule de café e a caneca na mesa, algumas broinhas empilhadas num prato. O que foi? “Suncê drumiu, hóme!”. Deu-se conta, dormira mesmo, mas onde estava a velha Carminha, a vó?
- O sinhô num sabe intão? Faiz seis meis que murreu.
- Avós não devem morrer.  – Sentenciou o escritor.
- Suncê, querdita em Deus, né, fio?
- Mas Claro!

Um comentário:

  1. Que viagem mental maravilhosa, esse seu conto proporcionou-me! Lembranças, muitas lembranças queridas e aconchegadas no coração! Obrigada!
    Abraço, Célia.

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