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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Amigos, o texto que posto hoje não é meu, é de um amigo. Literatura é isso, pôr para fora algo que nos move por dentro, é alma, e ele conseguiu muito bem. Parabéns Cláudio Chirelli. Devo dizer também que esta semana atrasei a postagem, visto que ando muito cansado e com vários problemas de toda ordem e a vida me põe mais limites que já tinha.
O blogueiro tardio
Grito de Mãe
Ouvem-se as sirenes das viaturas e dos camburões com os prisioneiros que se aproximam do fórum. Percebe-se cada vez mais próxima a sirene em nossos ouvidos, de um silêncio que não percebíamos. Rápidamente, como passe de mágica os portões abrem-se e numa manobra ensaiada a escolta isola a área para o camburão que entra veloz, fórum adentro. A ordem é a segurança e evitar-se alguma fuga ou incidente de fora. Policiais ficam posicionados afastam pessoas que tentam a aproximação dos presos trazidos ao juiz para audiência.
Fora, pelos gritos se reconhecem noivas, esposas, e mães, que tentam avistar, por uma fresta que seja os seus queridos, que, algemados, saem do caminhão.
No meio do “furacão”, uma mulher, baixa, tez morena, cabelos negros, olhos miúdos, brilhantes de esperança, no colo uma criança, a neta, talvez o pai esteja lá dentro, talvez com muitas algemas imaginárias (não sei), além da culpa que expia.
As sombras descem pesadas sob o sol cadente e percebem os detentos ao virar de cabeça ao gradil. Quem pode prender um desejo humano, gritos recomeçam. Muitos nomes se fazem ouvir e recomendações, frases de efeito, português ruim, mas de entonação precisa.
Há grupos retirados de transeuntes e curiosos, sádicos, condenando os que passarão pelo julgamento - têm de pagar mesmo, bandido é bandido, seu lugar é cadeia, etc. Todos estamos sob juízo de alguma forma, não há justo sobre a terra. Nesse momento a escolta põe alguns a correr. A baixinha, mãe, continua no gradil com a criança protegida no braço, ninguém a tira do local.
Os gritos seguem contra ela, os curiosos lançam impropérios. A escolta, vendo-a indefesa e persistente pelo instinto materno, chamada de vadia, e p... (cedem, olhando e armados).
Gritos e a mãe está tentando ver o filho, segurando no peito um crucifixo, igual ao da sala do júri, e seus gritos atraem olhares que ninguém pode desviar, e que sobressai melódico como que pelo sofrimento –“filho oie, a mãe aqui” e acena. O filho ergue a cabeça, é advertido, abaixa-se no fluxo da dor, segue apartado à carceragem.
Após a audiência, o camburão é fechado e a mãe grita a mesma frase -“filho oie, a mãe aqui”. Lá de dentro, desta vez julgado, o filho grita – “bença mãe”. A mãe ouve, e responde – “Deus te abençoe filho... juízo filho”, o filho responde – “amém, te amo, veia”.
Do cartório de paredes e vidraças voltadas ao jardim do pátio, em meu trabalho, não pude deixar de ver as cenas e, em lágrimas refletir.
Para aquela mãe os defeitos, os delitos cometidos pelo filho, não mudavam o amor em seu coração, sem julgamentos e preconceitos.
Essa mãe... À que se compara? O amor dela é incondicional, não ama apenas com palavras, mas as palavras, quando dizem, são inquestionáveis, mesmo à sombra de armas. Creio que o amor infinito de DEUS somente se compara ao AMOR DE MÃE.
CLAUDIO CHIRELLI
Aos interessados, ainda temos exemplares do livro Crises do filho do meio.

sábado, 16 de novembro de 2013

Amigos(as), grato pelos acessos a este singelo blog, espero que curtam o texto abaixo, como curtiram o anterior. Abç
Bloguista cansado neste final de ano, ufa.
Papai-noel virá?

Pela veneziana quebrada via o céu noturno. Estrelas desperdiçadas pelo meu sono, uma lua que se virava pelos cantos do firmamento. No parapeito da minha janela que dava para a rua, o meu burrinho feito de batata com quatro palitos enfiados. Era o meu poder de barganha para ganhar algum presente, porque no ano todo fizera muitas peraltices. Tentaria não dormir para me explicar pessoalmente ao bom velhinho, quando chegasse.
Ele vinha sempre de trenó e de muito distante. Passava com suas renas, um cavalo do pólo norte, só que diferente – diziam-me. Ah! Deixava marca de estrelas pelo céu, porque esses cavalos eram mágicos e voavam e, em minha expectativa, eu também. A espera pelo papai-Noel. Mesmo que não viesse com o presente desejado, daria alguma explicação por não me dar a bicicleta que eu pedia todo o ano. Para mim, aquele veículo era o máximo, aqueles pneus com raios finos suportando meu peso de gordinho. O problema seria equilibrar-me em duas rodas, precisaria de no mínimo três. Mas papai-noel devia saber disso.
Fui posto na cama à força, hora de criança dormir. Meus olhos estalados não saíam da veneziana. Passei quase toda a noite em claro, a pressentir os movimentos e barulhos da chegada do trenó. Meus pais dormiam noutro quarto e meus irmãos dormiam como bebês. Estava sozinho no meu mundo, insone. Pela veneziana ouvia um rodamoinho noturno, levantei-me algumas vezes e via a noite pela fresta. O cachorro amontoado, dormindo. O silêncio pairava preguiçoso, suspenso nas nuvens altas e brancas que vagavam nas brisas, as galinhas empoleiradas e imaginei o galo de pijamas, o sol ia demorar a nascer. E o papai-noel?
De dia, disseram-me que o velhinho tem de entregar muitos presentes e nem sempre chega a tempo ou conversa com a gente. Andava eu já pelo terreiro, sem temer noite, enquanto o papai-noel não chegava. Descobri que as aves dormem e os outros animais também, só não sabia com o que sonhavam. O cachorro levantou a cabeça e vendo que era escuro enrodilhou-se novamente. Tudo muito quieto. Voltei para debaixo das cobertas, sem ninguém me mandar. Agora já conhecia a noite do quintal.
Sonhar dormindo é normal, mas bom é sonhar acordado. Cochilei no travesseiro, mas sonhava que estava com os olhos abertos na veneziana. Quanto mais esperasse, mais demoraria. Então fui imaginando o prazer em ter a minha bicicleta. O guidão, os pedais, as rodas raiadas fazendo rastros na estrada de terra macia. Ia pôr até uma caixinha atrás para levar brinquedos meus. Ia ser minha redenção da vontade de passear, ir aonde meu pai não levava e minha mãe nunca deixava ir. Os meninos iam ficar admirados, eu ia ser respeitado com aquela magrela, presente do papai-noel. Mas acordei no dia seguinte e cadê a minha bicicleta?   
A que tenho hoje não é como a que o papai-noel não me deu. Então tive de aprender a viver sem ela. Afinal, uma bicicleta não é tudo, mas valeu. Será que uma bicicleta é tudo isso? Onde estão os presentes que ganhei? Presente de criança só tem valor na hora, depois fica esquecidiça no quintal, como fiz com meu cavalo de brinquedo e meus montes de terra, que ora junto para brincarmos neste pequeno espaço gráfico.
Aos que desejam presentear com os nossos livros o e-mail para pedido é quartarollo.camilo@gmail.com e enviaremos por correio se fora de Piracicaba-SP e depois você deposita. Abç

domingo, 10 de novembro de 2013

Amigos, amigas do facebook e deste singelo blog, meu irmão quase-gêmeo diz no prefácio de meu livro que sou mesmo em crise. É verdade. Agora mesmo, projetando um novo livro de romances me defronto com vários problemas de enredo e trama e pesquiso, e corrijo até dar ao leitor o melhor entendimento e cadeira dessa leitura. Bem, digo isso porque às vezes exageramos e o perfeito não existe. Alguns vão ler mesmo as primeiras folhas e esquecer o resto ou vão dar a alguém ou ao sebo. Aprendi nessa semana de Fentepira e várias peças teatrais, que mesmo assim, valeu a pena. E por falar em Fentepira, apresentações de teatro em Piracicaba-SP, este texto abaixo foi inspirado numa das cadeiras na apresentação da praça José Bonifácio. Eu pensava no meu pai, como penso muito ainda hoje e verti um texto de ressentimentos que tenho, há muito sentimentos ainda ressentidos, não reparados, não lacrimados, sem escoar, a ecoar dele.
Blogueiro chorão
Autor de Crises do filho do meio
O enterro do palhaço

(ao ler, tirar o nariz vermelho, para melhor respiração)
Ao chegar à coxia Augusto avistou o companheiro exaurido, sentado, com os ombros para frente e os guizos de bobo ainda vibrantes com o tremor do cansaço, de velho. Se não o conhecesse acharia que era o ensejo para mais uma das suas graças de palco e irreverência, mas era um ser voltando-se para dentro, condoído. Não riu Augusto. Somente um palhaço para conhecer outro... Enfermo, padecia de dores nas juntas, nas pernas inchadas sob os sapatos grandões de palhaço e sob as calças largas e coloridas os cambitos tremiam sobre a corda bamba da vida, do seu rosto o azul escorria como um guaxe e o vermelho manchavam-no como um assassino de si mesmo. Quem aceitaria a morte de um espantalho?
Não, Augusto o tomou nos braços e o pôs sobre o tapete das mil e uma noites e... uma palavra, mas qual, seus narizes redondos quase se tocaram na mágica dos olhos que veem crianças, vai fazer graça ao Jesus menino neste natal. Sabia. Vai morrer, não vai lutar como os soldadinhos de chumbo. Morreu.
Os homens da funerária levaram o palhaço ensacado para devolver à família o morto, mais um corpo no velório da sala três, ao lado da cantina e em frente do coqueiro verde. Quem vai? É de graça. Eu não vou, não aguentaria meus próprios soluços. Augusto foi e ninguém o reconheceu sem a fantasia, o andar trôpego, o rebolar e os sapatões disformes. Via-se o amigo no fundo daquela caixa de faraó, embrulhado em flores coloridas e sufocantes na câmara ardente para ser encomendado por um padre ou pastor, diante de quatro velas. Aquele não servia mais. Se pudesse voltar a cena! Não, nem assim chegaria à perfeição; nas mil mortes da vida, essa era capital, perfeita porque única.
Eu posso voltar a cena nesse texto – na verdade, é só o que faço - e lembrar de sua risada histriônica e até craquelante. Ahahahaheeeiii. Que importa o figurino, as pessoas que vieram se compadecer ou por curiosidade, o caixão é sua coxia, nossos sonhos o seu palco e por pouco não descobrimos o que temos diante dos nossos narizes, de palhaços. Num minuto vão focar a luz sobre a sala e as velas vão se apagar com as primeiras brisas da aurora, os pássaros vão catar migalhas e as buzinas se farão presentes outra vez, e o morto, não – decompõe com nossas ideias... sei que as velas vão se apagar em fumaceiras ordinárias com cheiro de ausências, de recordações costumeiras de viver passadiço. Como disse, eu não fui, pois já sou palhaço e não posso me apresentar às estrelas nem impedir o brilho que entra pela minha janela. Adeus, palhaço, seja bem vindo, prepara-te, soldadinho de chumbo!

sábado, 2 de novembro de 2013

Amigos, amigas, grato pelos acessos a este singelo blog. Espero que seja agradável a leitura.
Blogueiro e autor de Crises do Filho do meio
Dona Baratinha

Dona Baratinha diz que tem sete saias de filó... mas anda com roupa de viuvez o tempo todo, num luto vivo de tecido lustroso e piedosa na igreja de santo Antonio, seu santo de devoção de terços diários e um guarda-chuva preto que faz as vezes de bengala, não quis trocar por sombrinha colorida, não. Aquele objeto guardava lembranças e protegia das lágrimas, era do falecido. Falecido, Dona Baratinha?
- É.
A resposta seca mostrava como lidava com as realidades da vida marcada por rituais. O tempo não existia para ela, os ponteiros dos relógios eram meros marcadores da próxima missa na tevê ou de trazer o copo com água para benzer. O tempo, podia se dizer, são momentos de um ritual, muitos, imperceptíveis que se fazem sem a devida consciência, até as formigas têm os seus rituais.  Dona Baratinha punha termos a eles e rezava como uma sacerdotisa em seu sacrário doméstico ou mesmo na igreja de santo Antonio. Cuidado com o terço de ouro, mãe? Advertiam os filhos. Que nada. O último ladrão motoqueiro que tentou roubar levou uma boa surra de cabo de guarda-chuva, a mulher o pegou com o cabo e o puxou com uma força de velha hostil e depois de caído os transeuntes tiveram que apartá-la da “vítima”, enquanto a moto ligada em queda girara as rodas sem chão. Quebrou o guarda-chuva e quiseram lhe dar outro, não, mandou a conserto e trocou varetas e lona, que tinha de ser tudo em preto e devia estar pronto para a próxima missa na igreja de santo Antonio, ia mandar o padre rezar as missas ao falecido, as quais fazia questão de pagar com dinheiro de sua pensão. Não se pode dever a santo, dizia, e mais, ao santo que beijava os pés todas as vezes que lá ia.
Vendo dona Baratinha no primeiro banco o padre amainava o discurso e não esquecia as intenções da missa e ela o orientava com o olhar solene e ritualístico, e era de se saber que o guarda-chuva a acompanhava mesmo sem nuvens no céu. Já beijara os pés do santo e agora rezava sentindo o cheiro de madeira dos bancos e lá no altar via a luz vermelha iluminando uma caixinha onde o padre gordo punha e tirava hóstias, como guardião da fé, como se Deus desse voltas no bairro todo e parasse ali, e que o padre pudesse mexer no tempo como se mexe em relógios de camelô. Quando sentia o pão sagrado em sua língua era tudo o mais sem valor, até mesmo o que se escreve sobre ela. É a fé, a instância de seu entendimento, donde não se pode pôr ou tirar sem complicar.
Os meus momentos passam com as cautelas de um relógio oco de toc-toc que não me sintonizam, tudo tão passadiço que parece relógio de camelô, de dois por um – agora complicou, né? Estou tranquilo, escrevo enquanto Deus me der linhas nessa vida que é uma mão que escreve sozinha, porque dona Baratinha já mandou rezar as missas, trocar a foto do túmulo do falecido e deu outras orientações ao padre e, ainda, repassou algumas que o papa não receberá.
Da última vez que passei pela sua calçada parou de varrer e disse-me que rezava algumas ave-marias pelo moço de chapéu também. Uns usam guarda-chuva, outros relógios, brincos, óculos, chapéu e solidéu.