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O blogueiro chamuscado
Ele a tinha
deixado há muito tempo, numa tarde chuvosa, para comprar cigarros. A imagem do
companheiro não lhe saía da mente. Um homem com vícios, é verdade, mas amoroso
e terno. A senhora tricotava em transe ao lembrar o passado. O seu paletó
listrado, camisa aberta no peitoral, o chapéu cinza e um sorriso de já volto,
dito sob os bigodes. Vovó não o esquecia por um dia, sequer. A rotina naquela
casa continuou por trinta anos do mesmo jeito, numa vivência inercial, com a
espera daquele que deu uma saidinha para comprar os seus cigarros. Conservou
suas coisas de uso habitual. Suas roupas, o vidro de brilhantina pela metade, o
pente sobre a cômoda com alguns fios pretos, ferramentas, gibis, navalha e
utensílios para barbear e na parede uma foto em branco e preto, de boa nitidez
dos tempos em que foram felizes.
A família
preocupava-se com o desaparecimento do pai. Deram-se buscas, em hospitais,
cemitérios, bares, programas da TV, na internet e sumira mesmo atrás de um cigarro
maldito. Tinha de sair logo naquele domingo chuvoso, procurar por bar aberto e
cigarros?!
Os filhos
cresceram e se formaram cuidados pela mãe e ouvindo a história, vieram netos,
que o avô atrás dos cigarros não viu. Tanto tempo de saudosa memória sem o
corpo. A família já aceitara a ausência do tal e os reclamos da velha esposa,
mas como quem é vivo sempre aparece (mesmo que doente), ei-lo chegando numa
tarde de domingo chuvoso - a velha o reconheceu logo, mesmo com todos os anos
que arrebenta a cara de qualquer um.
- É você, querido,
voltou, comprou os cigarros que tanto gostava?
Como estivesse
acabrunhado pelo atraso, ela o dispensou de maiores explicações e também a
família - todos vieram recebê-lo. O homem doente e fraco recebeu um banho de
loja, dentadura nova, cortou a barba com aparelho e jogou as velharias de
recordações para o reciclável. A família sabia toda a história do homem ao lado
da mãe, fagueira, nos mimos. Exceto que um netinho quis tocar no assunto do
desaparecimento domingueiro do avô, em busca do maço de cigarros. “Cigarros?!”,
disse o velho, “mai eu nunca fumei na minha vida, ué! Que cigarro que sua avó
sempre fala?”
O titular deste blog é autor de diversas publicações em livro, notadamente Laços do Sertão, em 2014.
Aos interessados meu e-mail é quartarollo.camilo@gmail.com e adquira um exemplar.